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HarperCollins 200 anos. Desde 1817.

 

Editado por HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

Até que ele chegou

Título original: And Then She Fell

© 2013, Savdek Management Proprietary Ltd.

© 2017, para esta edição HarperCollins Ibérica, S.A.

Publicado originalmente por HarperCollins Publishers LLC, New York, U.S.A.

Tradutor: Fátima Tomás da Silva

 

Reservados todos os direitos, inclusive os de reprodução total ou parcial em qualquer formato ou suporte.

Esta edição foi publicada com a autorização de HarperCollins Publishers LLC, New York, U.S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, acontecimentos ou situações são pura coincidência.

 

Desenho da capa: Jon Paul

 

ISBN: 978-84-9139-142-5

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Epílogo

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Capítulo 1

 

Abril de 1837

Londres

 

Chegara a hora de se vestir para o que augurava ser uma noite difícil. Enquanto subia pela escada da casa que os pais possuíam em Upper Brook Street, Henrietta Cynster reviu mentalmente a informação que teria de dar à amiga Melinda Wentworth quando, tal como tinham combinado, se encontrasse com ela no baile de lady Montague.

Suspirou e, ao chegar ao seu quarto, abriu a porta, mas parou na entrada ao ver a irmã mais nova a rebuscar na caixa de joias que havia no toucador. Mary lançou-lhe um olhar fugaz ao ouvi-la chegar, mas continuou a rebuscar entre o monte de fios, brincos e missangas.

Um movimento leve desviou a atenção de Henrietta para o guarda-roupa que havia junto da cama e viu Hannah, a empregada, a tirar o seu novo vestido de baile azul de França enquanto, simultaneamente, lançava olhares de desaprovação para as costas esbeltas de Mary.

Entrou no quarto e fechou a porta. Tal como ela, a irmã ainda usava o vestido de dia e a expressão intensa do seu rosto despertou a sua curiosidade. Mary era a mais nova da família e, quando queria alguma coisa, era tenaz e teimosa.

— O que procuras?

Mary lançou-lhe um olhar de impaciência. Fechou uma gaveta da caixa de joias e abriu a última, por baixo.

— O… Aqui está! — meteu os dedos na gaveta, voltou a tirá-los e a sua expressão transformou-se enquanto levantava o seu achado entre os dedos de ambas as mãos. — Isto era o que procurava.

Henrietta observou o colar de elos delicados de ouro intercalados com contas de ametista de que pendia um pendente de quartzo cor-de-rosa. Ao aperceber-se de que a expressão da irmã refletia a satisfação de um general que fora informado de que as suas tropas tinham capturado uma posição inimiga de vital importância, fez um ar de indiferença e comentou:

— Não me serviu de nada, podes ficar com ele.

A irmã observou-a com os seus olhos azuis vívidos e esclareceu, enquanto levantava o colar:

— Não estava à procura dele para mim, és tu que tens de o usar.

O colar era um obséquio que as jovens da família Cynster tinham recebido de uma divindade escocesa, a Senhora, e devia ser um amuleto que ajudava a portadora a encontrar o seu herói verdadeiro, o homem com quem teria de viver felizmente casada para o resto dos seus dias.

Henrietta era uma mulher pragmática e prática, portanto, sempre achara difícil acreditar na eficácia do colar. Mais ainda, fiel a essa veia pragmática, sempre lhe parecera pouco razoável esperar que as sete jovens Cynster da sua geração encontrassem o amor e a felicidade nos braços dos seus respetivos heróis verdadeiros. O mais lógico era supor que estivesse escrito que uma delas, no mínimo, não tivesse de alcançar esse resultado e, se fosse assim, a Cynster destinada a morrer como uma velha solteirona seria, quase com total certeza, ela.

Dado que Mary e ela eram as duas únicas Cynster da sua geração que ainda não se tinham casado, a sua previsão de que ia ficar solteira para sempre parecia estar prestes a tornar-se um facto. Já tinha vinte e nove anos e nunca se sentira remotamente tentada a casar-se com um cavalheiro. Por outro lado, ninguém no seu juízo perfeito acreditaria que a sua irmã Mary, decidida e tenaz, que tinha vinte e dois anos e o propósito firme de forjar a sua vida futura, fracassaria no seu empenho de alcançar a meta que já declarara de forma firme e contundente e que não era outra senão encontrar o seu herói e casar-se com ele.

Tirou o xaile e abanou a cabeça, antes de responder:

— Já te disse, não me serviu de nada. Tens o meu pleno consentimento para o usar. Suponho que se trate disso, não é? Queres usá-lo para encontrar o teu herói?

— Sim, é isso — a expressão de Mary endureceu. — Mas não posso usá-lo sem mais nem menos, não é assim que funciona. Tens de o usar e encontrar o teu herói primeiro e, depois, tens de mo passar, tal como a Angelica to deu, e a Eliza à Angelica, e Heather à Eliza… Durante o teu baile de noivado.

Henrietta virou-se para pousar o xaile em cima de uma cadeira e disfarçou um sorriso, o sorriso de uma irmã mais velha e mais madura face à fé entusiasta que a irmã mais nova tinha no colar.

— De certeza que não é algo tão específico, o colar não tem de funcionar para todas.

— Claro que tem! — o tom de Mary refletia uma certeza férrea. Quando Henrietta se virou novamente para ela, acrescentou: — Confirmei-o com a Catriona e ela, por sua vez, perguntou à Senhora que, ao fim e ao cabo, fez o talismã. Segundo a Catriona, a Senhora foi muito clara e o colar deve passar de uma para outra na ordem estipulada. Não funcionará para mim em concreto se não cumprir a sua função para ti primeiro e não celebrares o teu baile de noivado, portanto… — fez uma pausa para respirar fundo e, com os dentes cerrados com firmeza, passou-lhe o colar. — Tens de o usar a partir de agora até encontrares o teu herói e roga à Senhora e a todos os deuses para que seja depressa.

Henrietta franziu ligeiramente o sobrolho enquanto estendia uma mão e aceitava o colar com relutância. Para dizer a verdade, não tinha a opção de o rejeitar. Mesmo que fosse a mais velha, a mais madura e a mais experiente de um ponto de vista social, mesmo que fosse mais alta do que a irmã mais nova e não fosse uma rapariga fraca, todo o clã dos Cynster sabia que tentar negar alguma coisa a Mary quando estava decidida era uma tarefa impossível e, mais ainda, se possuísse algum argumento lógico para a apoiar.

Deslizou os elos entre os dedos enquanto observava a irmã com atenção e perguntou, com curiosidade:

— Porque estás tão desejosa de ter o colar? Sabias que o tinha desde o baile de noivado da Angelica e já passaram oito anos.

— Exatamente! — Mary observou-a com olhos beligerantes. — Tiveste oito anos para o usar e encontrar o teu herói, mas, em vez disso, puseste-o na caixa das joias e deixaste-o lá. Não me importei enquanto ainda era uma criança e, depois de ser apresentada à sociedade, quis dar uma boa olhadela por mim própria, portanto, o facto de não o usares não era um problema. Mas, agora, tenho vinte e dois anos e estou pronta para dar o passo seguinte. Desejo encontrar o meu herói o quanto antes, iniciar a minha vida de casada e criar o meu próprio lar. Desejo tudo o que um casamento traz. Ao contrário de ti, não quero passar sete anos ou mais a dedicar-me a outras coisas e isso significa — apontou para o colar com o dedo —, que tens de usar o colar agora mesmo, encontrar o teu herói e entregar-mo. Não poderei seguir em frente com a minha vida até o ter nas minhas mãos.

Os outros teriam aceitado aquela explicação, mas Henrietta conhecia a irmã mais nova demasiado bem.

— Há alguma coisa que não estás a contar-me.

A irmã observou-a sem pestanejar nem ceder, mas ela inclinou a cabeça e arqueou as sobrancelhas enquanto se limitava a esperar… E, no fim, Mary levantou as mãos em sinal de rendição e exclamou:

— Está bem! Vou contar-te! Acho que posso ter encontrado o meu herói perfeito, mas preciso do colar para ter a certeza disso. Como deve passar para as minhas mãos, funcionar para mim e passar para a Lucilla, dá a impressão de que devo esperar para o ter em meu poder antes de decidir quem é o meu herói, portanto… Enfim, se tomasse qualquer decisão definitiva antes de mo entregares, daria a impressão de que estou a ignorar o destino e a Senhora e devo obtê-lo da forma correta — a sua expressão tornou-se ainda mais firme e fixou os olhos nos dela. — Isso quer dizer que tens de o usar e encontrar o teu herói primeiro.

Henrietta baixou o olhar para o colar, para os elos inocentes que jaziam na sua mão, e suspirou.

— Está bem, vou usá-lo esta noite — a exclamação de entusiasmo da irmã fez com que levantasse uma mão apaziguadora. — Mas não espero que funcione, portanto, não tenhas ilusões.

Mary desatou a rir-se, aproximou-se e beijou-a na face.

— Limita-te a usá-lo, maninha, é a única coisa que te peço. Quanto a funcionar ou não… — olhou para ela com olhos faiscantes, antes de se virar para a porta —, depositarei a minha fé na Senhora.

Henrietta abanou a cabeça, sorridente, e Mary parou ao chegar à porta para perguntar:

— Vais acompanhar-nos, à mãe e a mim, ao baile da lady Hammond esta noite?

— Não, esperam-me em casa da lady Montague — devido à sua idade, com frequência, os eventos a que ia não eram os mesmos a que a mãe acompanhava Mary. — Diverte-te.

— Vou fazê-lo, vemo-nos amanhã — depois de se despedir com a mão, a irmã saiu do quarto e fechou a porta.

Ainda a sorrir, com o colar numa mão, Henrietta virou-se e viu que Hannah voltara a guardar o seu vestido novo no guarda-roupa e tirara outro de seda escura. Olhou para a empregada quando ela se virou com um xaile de seda arroxeado e amarelo que acabara de tirar da cómoda e arqueou uma sobrancelha num gesto que Hannah interpretou corretamente.

— O azul não é adequado, menina, não se vai usar isso — indicou o colar com a cabeça e os seus olhos faiscaram de entusiasmo. — Se vai procurar o seu herói, tem de estar perfeita.

Henrietta suspirou.

 

 

Duas horas depois, Henrietta aproximou-se do senhor Wentworth e da sua esposa, que estavam num dos lados da sala de baile de lady Montague. Depois de trocar cumprimentos, os três observaram a filha do casal, Melinda, que dançava com o honrado James Glossup.

Tinham sido os motivos de James para cortejar Melinda que tinham levado Henrietta a ir àquele baile. Ficou absorta enquanto o observava com atenção, enquanto apreciava tudo o que podia sobre a sua aparência física e a mestria com que dançava e questionou-se (tal como se interrogara durante os últimos dias) porque é que, tendo em conta a sua beleza física óbvia e as suas qualidades, aquele homem teria optado pela estratégia que seguia para procurar esposa.

A senhora Wentworth, uma mulher baixa e roliça com um vestido castanho, suspirou e comentou:

— É uma verdadeira pena, fazem um casal bonito.

O senhor Wentworth, um cavalheiro robusto com uma vestimenta conservadora, deu umas palmadinhas na mão que a esposa tinha na sua manga.

— Calma, querida. Haverá outros pretendentes atraentes atrás da Mellie e como ela está decidida a encontrar um cavalheiro que a ame… Enfim, estou agradecido à menina Cynster pelo que descobriu.

Henrietta apenas sorriu e reprimiu o desconforto que sentiu. Não conhecia muito bem James, mas era o melhor amigo do seu irmão Simon e fora o padrinho de casamento quando ele se casara há dois anos. Devido a dita amizade, encontrara-se com ele em vários eventos familiares, mas, para além do que sabia dele através de Simon, não tivera razão alguma para lhe prestar mais atenção.

Isso mudara quando ele concentrara os seus cuidados em Melinda de forma tão óbvia que a sua intenção de pedir a mão dela em casamento se tornara evidente. Fora então que Melinda, com a aprovação dos pais, fora ter com ela para, conforme lhe tinham dito, «esclarecer os motivos de James».

Desde os vinte e poucos anos que se dedicava a ajudar outras como ela, damas jovens da alta sociedade, a descobrir a resposta para a pergunta mais importante que todas as damas tinham sobre o cavalheiro que pedia a sua mão: «Ama-me realmente ou há alguma outra razão por que deseja casar-se comigo?».

Nem sempre era fácil sabê-lo nem, às vezes, descobrir a verdadeira resposta, mas ela nascera no seio do clã poderoso dos Cynster e contava com todos os contactos e os vínculos que isso lhe dava, portanto, há muito que descobrira as vias para desvendar praticamente tudo.

Não era uma bisbilhoteira e só raramente revelava alguma coisa que não lhe tivessem perguntado de forma específica, mas sempre fora observadora e a sua perspicácia aumentara com o passar dos anos graças a uma aplicação constante e à experiência resultante.

Enquanto as mães, matronas e acompanhantes guiavam as damas jovens pelas águas da alta sociedade como casamenteiras, ela proporcionava um serviço que ia na direção oposta. De facto, certos cavalheiros contrariados chamavam-lhe a «destruidora de casamentos». Para a metade feminina da alta sociedade, no entanto, era a pessoa a quem as jovens damas decididas a casar-se por amor recorriam para saber os verdadeiros motivos por que os seus potenciais noivos desejavam casar-se com elas.

Nos últimos anos, a alta sociedade ficara a favor dos enlaces por amor, portanto, a informação e a experiência que ela proporcionava tinham sido muito solicitadas.

Era inteiramente possível que a sua experiência extensa causasse aquela leve incerteza que sentia, aquela suspeita de que havia algo que não encaixava no que dizia respeito a James Glossup. Contudo, Melinda pedira-lhe uma informação que ela já descobrira, por isso, apesar daquela dúvida persistente, mas irritantemente vaga, de que não conseguia livrar-se, ia contar a verdade à amiga.

Enquanto via James a mexer-se com elegância ao compasso da música com aqueles ombros largos e aquele corpo alto e esbelto, com aquela graça inefável, impecavelmente vestido com uma sobriedade muito na moda, com o seu cabelo castanho penteado com o aspeto despenteado que tanto se usava e olhando para Melinda com um sorriso sincero de cavalheirismo gentil, voltou a questionar-se porque teria optado por seguir aquele caminho, porque decidira casar-se para obter um benefício económico em vez de procurar uma dama para amar.

Existia a simples possibilidade de ser apenas um covarde que não se atrevia a correr o risco de se apaixonar, mas essa era uma explicação que não a convencia.

James fora um solteirão reconhecido dentro da alta sociedade e rondara como um lobo pelas salas de baile com Simon, mas, desde o verão do casamento dele, celebrado há dois anos, isolara-se e mal fora visto em Londres até começar aquela temporada social. Fosse como fosse, era um dos Glossup de Dorsetshire e um dos netos do visconde de Netherfield, por isso uma boa quantidade de damas jovens estariam mais do que dispostas a apaixonar-se por ele.

Ele, no entanto, concentrara-se rapidamente em Melinda, que ela considerava uma das suas amigas.

A dança acabou e James inclinou-se à frente Melinda que, por sua vez, fez uma reverência. A jovem olhou para os pais ao endireitar-se, viu que ela chegara e, com a cortesia e o sorriso devidos, despediu-se dele e dirigiu-se para os três, abrindo caminho entre a multidão.

Enquanto a via a aproximar-se, Henrietta compôs uma expressão serena que não dava nenhuma informação, mas, depois de a observar com atenção, Melinda só teve de olhar para a mãe para saber imediatamente o que se passava. A sua desilusão foi evidente.

— Ena! — parou à frente dos pais e deu a mão à mãe. — Não são boas notícias, pois não?

Fez a pergunta a Henrietta, que não teve outro remédio senão admitir:

— Não são as que querias ouvir.

Melinda olhou por cima do ombro, mas James perdera-se entre as pessoas e não o via. Depois de respirar fundo, agarrou-se à mão da mãe com mais força, ergueu o queixo e olhou para Henrietta nos olhos.

— Diz-me.

A senhora Wentworth lançou um olhar eloquente para os outros convidados.

— Não acho que este seja o lugar mais adequado para tratar deste assunto, querida.

— Mas tenho de saber a verdade, mamã! — protestou a jovem, carrancuda. — De que outra forma posso enfrentá-lo?

Foi o senhor Wentworth que sugeriu:

— Talvez possamos regressar a casa para falar em privado — olhou para Henrietta —, se, para a menina Cynster, não for muito incómodo e estiver disposta a acompanhar-nos.

Henrietta planeara sair de casa dos Montague mais tarde, mas, ao olhar para aqueles três rostos de expressão suplicante, não teve outro remédio senão assentir.

— Sim, é claro. Disponho da carruagem dos meus pais, vou seguir-vos até Hill Street.

Foi despedir-se de lady Montague com eles. Enquanto Melinda e a senhora Wentworth agradeciam à anfitriã pela noite, ela permaneceu de lado e deslizou o olhar pela sala. Eram muito poucos os convidados presentes que não conhecia. Conseguiu localizar imediatamente quase todos com base nos vínculos familiares e noutras ligações.

Estava a observar as cabeças, distraída, quando o seu olhar se encontrou com o de James Glossup, que a observava com atenção do outro extremo da sala.

Ao ver que os Wentworth tinham acabado de se despedir e se dirigiam para a porta, arrancou o olhar do de James e despediu-se de lady Montague com um sorriso cortês, antes de se dirigir para a porta atrás dos Wentworth. Tentou reprimir a vontade de olhar para trás, mas não conseguiu.

James ainda a observava, mas com desconfiança. As feições austeras do seu rosto atraente pareciam mais duras e a sua expressão era quase severa. Observou-o por um instante e, então, virou-se novamente e saiu pela porta.

James Glossup praguejou em voz baixa no outro extremo da sala.

 

 

— O que descobri é que o senhor Glossup tem de se casar para libertar recursos adicionais da herança da tia-avó.

Henrietta estava na casa que os Wentworth possuíam em Hill Street, confortavelmente sentada numa poltrona situada junto da lareira do salão. Parou para beber um gole do chá que, segundo a senhora Wentworth, todos eles precisavam com urgência.

O senhor Wentworth, que estava sentado à frente dela noutra poltrona e tinha, à esquerda, o divã que a filha e a esposa ocupavam, perguntou, carrancudo:

— Isso quer dizer que não é um caçador de fortunas que cobiça o dote da Mellie?

Henrietta pousou a chávena no pires e abanou a cabeça.

— Sim. Dispõe de recursos suficientes, mas, para obter o resto da fortuna da tia-avó, deve casar-se. Conforme sei, a idosa queria certificar-se de que o fazia e pô-lo no seu testamento como uma condição.

O senhor Wentworth deu uma gargalhada.

— Suponho que seja um dos métodos que uma idosa pode usar para obrigar um cavalheiro a passar pelo altar, mas não com a minha filha.

— É claro que não! — asseverou a esposa. Devia ter recordado que, naquele assunto, era a opinião de Melinda que contava realmente, porque se virou para olhar para ela e perguntou: — Quer dizer… O que pensas, Mellie?

A jovem ficara com o olhar fixo na lareira, segurando a chávena e o pires no colo, mas aquela pergunta arrancou-a dos seus pensamentos. Depois de olhar para a mãe, virou-se para Henrietta.

— Não está apaixonado por mim, pois não?

Henrietta cingiu-se à pura verdade.

— Não posso saber com certeza, a única coisa que posso dizer-te é o que sei — observou-a e acrescentou, com suavidade: — Podes julgá-lo muito melhor do que eu.

Depois de a observar durante alguns segundos, Melinda cerrou os dentes e abanou a cabeça.

— Sente simpatia por mim, mas não. Não me ama — bebeu um longo gole do chá em que não tocara até ao momento e, ao baixar a chávena, acrescentou: — Para dizer a verdade, esse foi o motivo por que te pedi para descobrires o que pudesses sobre ele. O seu comportamento já me fazia suspeitar de que o amor não era a razão por que reparou em mim… — os seus lábios retorceram-se, levantou uma mão e virou a cabeça enquanto tentava recompor-se.

Henrietta acabou a chávena, pousou-a no pires e virou-se para pousar ambas as coisas na mesinha baixa que havia junto do divã.

— Será melhor retirar-me. Não tenho nada para acrescentar e deves desejar pensar com calma em tudo isto — levantou-se imediatamente.

Melinda afastou o chá e levantou-se também, tal como os pais.

— Acompanho-te à porta.

— Obrigada novamente por seres tão boa amiga da Mellie — agradeceu o senhor Wentworth, com firmeza, enquanto lhe dava umas palmadinhas na mão.

Henrietta despediu-se do casal e dirigiu-se para o vestíbulo, precedida por Melinda. Assim que o mordomo fechou a porta do salão, murmurou, num tom suficientemente baixo para que só a amiga, que tinha à sua frente, conseguisse ouvi-la:

— Lamento muito ter sido a portadora de tão más notícias.

A amiga parou, virou-se para ela e conseguiu esboçar um sorriso fraco.

— Admito que esperava ouvir que o tinha julgado mal, mas a verdade é que a tua ajuda foi um verdadeiro presente do Céu. Não quero casar-me com um homem que não me ama, tenho a certeza. A informação que me deste confirma o que já suspeitava e estou sinceramente agradecida por isso. Graças a ti, é muito mais fácil tomar uma decisão — segurou-a pelos ombros, tocou com a face na dela e chegou-se para trás, antes de acrescentar: — De modo que sim, estarei triste durante um ou dois dias, mas não demorarei a recuperar. Vais ver.

— Espero que sim — Henrietta retribuiu o sorriso.

— Será assim, não duvides — cada vez parecia mais convencida e certa. — Já ajudaste tantas jovens… Não sei o que teríamos feito sem ti. Salvaste imensas damas jovens de ficar presas num casamento dececionante. A verdade é que mereces um prémio.

— Não digas tolices, o que se passa é que tenho fontes de informação muito boas — e, embora fosse algo que não podia mencionar naquele momento, dadas as circunstâncias, a verdade era que, em vários casos, confirmara que uma união estava firmemente baseada no amor.

Depois de o mordomo lhe pôr a capa por cima dos ombros e abrir a porta principal, saiu acompanhada de Melinda, mas, ao ver que a amiga tremia com a rajada de vento fria que percorreu a rua, segurou-lhe a mão e apertou-a carinhosamente.

— Entra em casa ou vais morrer de frio. A minha carruagem está ali — apontou com a cabeça para a segunda das carruagens que os pais tinham na cidade, que esperava por ela do outro lado da rua.

— Está bem — Melinda retribuiu o aperto. — Tem cuidado. De certeza que voltaremos a ver-nos em breve.

Henrietta sorriu e esperou que voltasse a entrar em casa e fechasse a porta. Então, ainda a sorrir e aliviada porque a rapidez com que a amiga aceitara a situação revelava que, na verdade, não estava apaixonada por James, desceu os degraus de entrada.

Apesar de achar que não ia apaixonar-se, era firmemente a favor das uniões por amor. Na sua opinião, o amor era a única proteção que garantia a uma dama o poder de conseguir uma vida matrimonial feliz e satisfatória.

Um homem que ia a toda a velocidade chocou contra ela de repente. A força da colisão fê-la cambalear.

— Ai! — teria caído se o homem não se tivesse virado depressa para a agarrar pelos ombros, segurá-la e endireitá-la.

Pelo canto do olho, vislumbrou uma bengala com punho de prata agarrada por uma mão enluvada. Reparou que a luva fora feita num couro suave e flexível. Pestanejou e olhou para a cara do homem, mas usava uma capa com o capuz levantado e as luzes que havia atrás dele faziam com que o seu rosto ficasse envolto em sombras.

A única coisa que conseguiu ver foi a ponta do queixo, um queixo que ficou tenso por baixo do seu olhar.

— Desculpe-me, não a vi.

A voz do homem era profunda e tinha uma dicção seca, mas refinada.

— Eu também não — replicou, enquanto tentava recuperar o fôlego.

Ele ficou quieto e deu a impressão de que estava a observá-la com atenção.

— Menina! Está bem?

Henrietta levantou a cabeça enquanto o cavalheiro olhava para ela por cima do ombro e viram Gibbs, o lacaio que esperava por ela na carruagem, a descer da boleia a toda a pressa com a intenção de a socorrer.

— Está tudo bem, Gibbs!

Ela mal acabara de pronunciar aquelas palavras quando o cavalheiro olhou para ela e a soltou. Depois de se despedir dela com uma inclinação brusca de cabeça, virou-se com urgência e afastou-se a passo rápido até se perder entre a névoa cada vez mais densa que banhava a rua.

Henrietta decidiu não dar grande importância ao assunto. Alisou a saia e a capa a toda a pressa, antes de atravessar a rua na direção do lacaio, que esperava junto da carruagem para a ajudar a entrar. Assim que entrou e a portinhola se fechou, acomodou-se no banco de couro com um suspiro. A carruagem começou a andar com uma sacudidela leve. Upper Brook Street era a escassos minutos de distância.

Relaxou, esperando sentir a onda de satisfação habitual e revitalizante devido ao sucesso de outra investigação, mas, em vez disso, a sua mente concentrou-se inesperadamente numa coisa muito diferente: Na imagem de James Glossup, a observá-la na sala de lady Montague… Na expressão do seu rosto ao perceber que ela saía da sala atrás de Melinda.

Tendo em conta que era amigo de Simon, de certeza que conhecia a sua reputação como a destruidora de casamentos, portanto, questionava-se o que estaria a pensar naquele momento.