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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 1997 Stephanie Laurens. Todos os direitos reservados.

UMA ESPOSA À SUA MEDIDA, N.º 5 - Outubro 2012

Título original: A Confortable Wife

Publicada originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres

Publicado em português em 2004.

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ® Harlequin y logotipo Harlequin são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. as marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

I.S.B.N.: 978-84-687-1300-7

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Um

 

– Trinta e quatro anos, meu querido Hugo, é já idade de assentares a cabeça.

– O quê? – Hugo Satterly abriu um olho, sobressaltado, e observou a figura alta elegantemente recostada no banco do coche, em frente a ele. – O que queres dizer com isso?

Philip Augustus Marlowe, sétimo barão de Ruthven, não se dignou a responder. Com o olhar fixo na paisagem de verão, comentou:

– Nunca pensei ver Jack e Harry Lester a competir para ver quem será o primeiro a dar uma nova geração aos Lester.

Hugo endireitou-se.

– Que situação tão bizarra... Jack sugeriu fazer apostas, mas Lucinda ouviu-o – franziu os lábios. – E o assunto ficou por aí, naturalmente. Lucinda disse que não estava disposta a que todos as observassem, a Sophie e ela, a contar os dias. Uma pena...

Um sorriso fugaz surgiu nos lábios de Philip.

– Lucinda é uma mulher estranhamente sensata – depois, acrescentou mais para si do que para o seu amigo: – E Jack também teve muita sorte com Sophie.

Regressavam de uma semana passada em Lester Hall. Sophie, a mulher de Jack Lester, presidira aos festejos com a ajuda de Lucinda, a bonita esposa de Harry Lester. Ambas estavam visivelmente grávidas e pareciam radiantes. A alegria transbordante que enchia a casa contagiara toda a gente.

Mas a semana chegara inevitavelmente ao fim e Philip tinha consciência de que, apesar da atmosfera serena e organizada que reinava no lar dos seus antepassados, não havia lá calor, nem promessas de futuro a aguardá-lo. A ideia de que convidara Hugo, um solteiro convicto ao qual o unia longos anos de amizade, com o único propósito de se distrair, de afastar os seus pensamentos do caminho desolador que a via abrir-se diante de si, rondava-lhe vagamente a cabeça, embora tentasse ignorá-la.

Mudou de posição e continuou a olhar para os campos em flor, enquanto ouvia o som dos cascos dos cavalos. Hugo, no entanto, não teve nenhum problema em abordar a questão sem rodeios.

– Imagino que tu sejas o próximo – Hugo recostou-se no banco e olhou para os campos com uma serenidade imperturbável. – Imagino que estejas tão melancólico por causa disso.

Philip semicerrou os olhos e fixou-os no semblante inocente de Hugo.

– Rendermo-nos aos laços do casamento, enfiarmo-nos nele sabendo a ratoeira que é, não é propriamente um pensamento agradável.

– Nem sequer me passa pela cabeça.

A expressão de Philip azedou. Hugo dispunha de rendimentos próprios e só tinha parentes afastados, de modo que não precisava de se casar. O caso de Philip era muito diferente.

– Não entendo porque levas isso tão a peito – Hugo olhou para o outro lado do coche. – Suponho que a tua madrasta esteja ansiosa por desfilar à tua frente uma série de jovens casadoiras. A única coisa que tens de fazer é vê-las e escolher.

– Tenho a certeza de que Henrietta adoraria ajudar-me. No entanto – continuou Philip, com tom resistente, – se errasse a escolher as candidatas, seria eu e não ela quem sofreria as consequências. Para toda a vida. Não, obrigado. Se correr o risco de cometer um erro que poderá arruinar-me a vida, prefiro ser eu a fazê-lo.

Hugo encolheu os ombros.

– Nesse caso, terás de fazer a tua própria lista de candidatas, observar as debutantes, informar-te das suas origens, certificar-te de que sabem falar e não apenas rir-se como umas tontas, e que não sorriem afetadamente quando levam uma chávena de chá aos lábios – franziu o nariz. – É uma tarefa árdua.

– E deprimente – Philip desviou o olhar da paisagem.

– É uma pena que mulheres como Lucinda e Sophie não abundem.

– De facto – concordou Philip, com aspereza, e, para seu alívio, Hugo percebeu a indireta e recostou-se novamente, disposto a dormir um bocado.

O coche continuou o seu trajeto. Philip permitiu, contrariado, que o seu futuro mais provável tomasse forma diante dos seus olhos e tentou imaginar a sua vida ao lado de uma dama da alta sociedade. A imagem não era muito sedutora. Aborrecido, tentou dissipá-la e começou a pensar nas qualidades que exigiria à sua futura esposa. Lealdade, destreza razoável, um grau aceitável de beleza, tudo isso era fácil de definir. Mas havia algo mais misterioso que Jack e Harry Lester tinham encontrado e a que Philip não conseguia dar um nome.

Esse ingrediente essencial continuava a ser um mistério quando o coche entrou na avenida ampla que ia dar a Ruthven Manor. Numa bonita depressão das planícies de Sussex, a casa era uma elegante mansão georgiana, erguida sobre as ruínas de palácios antigos. O sol, ainda alto, estendia os seus dedos dourados para acariciar as pedras pálidas da casa. Os raios atravessavam as árvores, resplandeciam nas janelas grandes e diáfanas, e inundavam de luz as trepadeiras que suavizavam os muros austeros do edifício.

O seu lar. A ideia ecoava na cabeça de Philip quando saiu do coche e sentiu o cascalho do pátio a ranger sob as botas. Olhou para trás para confirmar que Hugo descera e dirigiu-se para a escadaria. Enquanto se aproximava, as portas abriram-se. Fenton, o mordomo da casa desde que Philip se lembrava, esperava-o, rígido, mas sorridente.

– Bem-vindo a casa, milorde – Fenton agarrou o seu chapéu e as luvas.

– Obrigado, Fenton – Philip apontou para Hugo. – O senhor Satterly vai ficar alguns dias.

Hugo visitava a casa com frequência. Fenton fez-lhe uma reverência e recolheu-lhe o chapéu.

– Mandarei que preparem o quarto do costume, senhor.

Hugo sorriu amavelmente. Philip passeou o olhar pelo hall e virou-se para Fenton.

– Como está a senhora?

No andar de cima, parada no cimo da escada enorme, com a cabeça inclinada para tentar ouvir, Antonia Mannering chegou à conclusão de que a voz de Philip era mais grave do que se lembrava. Respirou fundo, fechou os olhos por um instante para ganhar forças, abriu-os e começou a descer as escadas com passo acelerado. Sem se precipitar, para que não a acusassem de fazer barulho, mas suficientemente rápida para parecer alheia à chegada de Philip e de Hugo. Chegou ao patamar e começou a descer o último lance de escadas, com os olhos fixos nos degraus e uma mão levemente apoiada sobre o corrimão.

– Fenton, a senhora quer que Trant suba o mais rápido possível – só então se permitiu levantar o olhar. – Oh! – a exclamação, perfeitamente calculada, continha a combinação precisa de surpresa e embaraço. Praticara durante horas. Abrandou e, depois, parou, espantada. Em seguida, esbugalhou os olhos e ficou boquiaberta.

A cena que tinha dela não era exatamente a que imaginara. Philip estava ali, isso era um facto. Virara-se e estava a olhar para ela com os sobrolhos arqueados. Os seus olhos cinzentos refletiam apenas uma surpresa amável. Antonia estudou rapidamente os seus traços: a testa alta, as pálpebras grandes, o nariz aristocrata, os lábios finamente desenhados sobre um queixo firme e decidido. Não havia nada no seu semblante, vagamente distante, que lhe fizesse palpitar o coração. E, no entanto, a pulsação disparou-lhe e ficou sem ar por um instante. Um nervosismo estranho apoderou-se dela.

Ele desviou o olhar da cara dela e pousou-o no corpo.

Antonia respirou fundo e, aturdida, reparou na compleição atlética de Philip. Ele encolheu elegantemente os ombros e o capote deslizou até aos braços de Fenton, que aguardava para o agarrar. A sobrecasaca que ficou a descoberto era de um cinzento discreto. Era tão distinta, que nem sequer ela podia duvidar da sua origem. O seu cabelo castanho ondulava numa desordem elegante, a gravata era um feixe de dobras precisas com um alfinete de ouro. As calças de camurça suave ajustavam-se às pernas compridas, salientando os músculos robustos das suas coxas, antes de desaparecerem dentro das botas cuidadosamente engraxadas.

Antonia respirou fundo outra vez e voltou a fixar o olhar no rosto de Philip. Naquele preciso momento, ele levantou o olhar e encontrou os olhos dela. Depois, olhou-lhe para o cabelo e voltou a pousar o olhar na cara dela. Franziu o sobrolho e o seu semblante adquiriu uma expressão de surpresa evidente.

– Antonia?

Philip reparou na perplexidade da sua própria voz. Recriminou-se em silêncio e tentou recuperar o seu ar de indolência habitual, ao qual não ajudou o sorriso fugaz que Antonia Mannering lhe lançou, antes de apanhar as saias e descer os últimos degraus da escada. Ficou colado ao chão, enquanto Antonia deslizava para ele. A sua mente andava às voltas, tentando encaixar as suas lembranças na mulher muito bela, de rosto sereno em forma de coração, que naquele momento atravessava o hall da sua casa, envolta num vestido de musselina às flores, cuja figura Philip classificou, sem hesitar, como exemplar.

Da última vez que vira Antonia Mannering, ela tinha dezasseis anos e era magra e desajeitada, embora graciosa. Agora, mexia-se como uma sílfide e os seus pés pareciam mal tocar no chão. Philip recordava-a como uma lufada de ar fresco que todos os verões levava gargalhadas, sorrisos francos e uma amizade insaciável e imperiosa a Ruthven Manor. Os seus lábios mostravam agora um sorriso fácil, mas a expressão dos olhos era reservada. Enquanto a observava, estendeu-lhe a mão e a curva dos seus lábios aumentou.

– Sim, milorde. Passaram muitos anos desde a última vez que nos vimos. Peço-lhe que me desculpe – Antonia olhou vagamente para a escada. – Não sabia que tinha chegado – sorriu serenamente e olhou-o nos olhos. – Bem-vindo a casa.

Sentindo-se como se Harry Lester tivesse acabado de lhe desferir um murro no queixo, Philip apertou a mão de Antonia. Os dedos dela tremeram e Philip apertou-os instintivamente com mais força, e baixou o olhar para os seus lábios, cujas curvas deliciosas lhe atraíam irresistivelmente o olhar. Obrigou-se a desviá-lo e, de repente, viu-se perdido numa neblina verde e dourada.

Quando finalmente conseguiu libertar-se, levantou o olhar para os seus bonitos caracóis loiros.

– Cortaste o cabelo – a sua voz refletia atordoamento e desilusão.

Antonia pestanejou, surpreendida, e levou, indecisa, a mão livre aos caracóis que pendiam sobre uma das suas orelhas.

– Não, continua aqui, só que está apanhado.

Os lábios de Philip formaram um «Ah» em silêncio. O olhar estranho que Antonia lhe lançou e o tossir de Hugo fizeram-no voltar a si bruscamente. Reprimindo o impulso de lhe tirar os ganchos para confirmar se a sua cabeleira loira continuava como a recordava, recuperou o fôlego e largou-lhe a mão.

– Permite-me apresentar-te o senhor Satterly, um grande amigo. Hugo, esta é a menina Mannering, sobrinha da minha madrasta – a saudação amável de Hugo e a resposta cordial de Antonia, desprovida de reação, deram-lhe tempo para se recompor e, quando Antonia se virou, conseguiu esboçar um sorriso cortês. – Parece que te rendeste finalmente às súplicas de Henrietta.

Antonia olhou-o nos olhos.

– Andava há um ano a pedir que viesse. Acho que já estava na altura de lhe fazer uma visita.

Philip controlou a vontade de sorrir, entusiasmado, e contentou-se em dizer:

– É uma honra para a minha humilde casa e um prazer ver-te novamente entre estas paredes. Espero que tenhas programado ficar durante bastante tempo. Sem dúvida, ter-te aqui tranquilizará Henrietta.

Os lábios de Antonia curvaram-se num sorriso subtil.

– De qualquer forma, a duração da minha visita depende de muitas coisas – olhou fixamente para Philip durante um bocado e, depois, virou-se para Hugo com um sorriso. – Mas estão aqui de pé e a minha tia está a descansar neste momento – Antonia olhou para Philip. – Querem beber um chá na sala?

Philip vislumbrou atrás dela a expressão alarmada de Hugo.

– Acho que não – sorriu a Antonia, com indolência. – Receio que Hugo precise de algo mais forte.

Antonia arqueou os sobrolhos e os seus lábios curvaram-se, com uma covinha irresistível num dos cantos da boca.

– Uma cerveja na biblioteca?

Philip esboçou um sorriso e inclinou a cabeça.

– Antonia, está visto que a idade não desvaneceu o teu engenho.

– Receio que não, milorde – inclinou a cabeça para Fenton. – Cerveja na biblioteca para os senhores, Fenton.

– Sim, menina – Fenton fez uma reverência e afastou-se.

Antonia voltou a olhar para Philip e sorriu com calma.

– Vou dizer à tia Henrietta que chegaram. Deve estar quase a acordar da sua sesta. Tenho a certeza de que gostará de vos receber dentro de meia hora. Agora, com licença.

Philip inclinou a cabeça. Hugo fez uma reverência elegante.

– Será um prazer vê-la ao jantar, menina Mannering.

Philip lançou-lhe um olhar astuto, mas Hugo, que estava a sorrir a Antonia, não reparou. Antonia voltou a olhá-lo nos olhos antes de se virar e se afastar. Philip viu-a a atravessar o hall e a subir as escadas, meneando levemente as ancas. Hugo pigarreou.

– Então e a cerveja?

Philip sobressaltou-se. Franziu o sobrolho e apontou para a porta da biblioteca.

Quando chegou à porta do seu quarto, Antonia já conseguira recuperar o fôlego. Não imaginara que a sua pequena farsa requeresse tanto esforço. Ainda sentia um nó no estômago e o seu coração ainda não recuperara o ritmo natural.

Franziu o sobrolho e abriu a porta. As janelas estavam abertas e uma brisa suave agitava as cortinas. Os cheiros do verão impregnavam o ar: relva e rosas, e um cheirinho a alfazema procedente dos canteiros do jardim italiano. Antonia apoiou as mãos no parapeito da janela, inclinou-se para a frente e respirou fundo.

– Mas esse é o teu vestido de musselina novo!

Antonia virou-se e viu Nell, a sua aia, parada à frente da porta aberta do armário. Baixa e ossuda, com o cabelo grisalho apanhado, Nell estava a arrumar as suas camisas e combinações. Acabada a tarefa, virou-se e, pondo as mãos na cintura, observou Antonia.

– Pensei que estivesse a guardá-lo para uma ocasião especial.

Antonia esboçou um sorriso travesso, encolheu os ombros e virou-se para a janela.

– Decidi vesti-lo hoje.

– Ah, sim? – Nell encolheu os olhos, agarrou numa série de lenços e começou a dobrá-los. – Foi o senhor que acabou de chegar?

– Sim, foi Ruthven – Antonia apoiou-se no parapeito da janela. – Trouxe um amigo. Um tal senhor Satterly.

– Só um?

O tom de Nell era receoso. Antonia sorriu.

– Sim. Estarão no jantar. Tenho de decidir o que vestir.

Nell soltou um suspiro.

– Acho que não vai custar-lhe muito. Se é um jantar com cavalheiros de Londres, só pode usar o vestido de tafetá cor-de-rosa ou o de seda às flores.

– Então, vai ser o de seda. E quero que me arranjes o cabelo.

– Claro! – Nell fechou as portas do armário. – É melhor ir lá a baixo dar uma ajuda, mas volto mais tarde para a pôr bonita.

– Hum... Hum... – Antonia apoiou a cabeça no caixilho da janela.

Nell conteve um suspiro e dirigiu-se para a porta. Com a mão na maçaneta, parou e olhou com afeto para a figura apoiada na janela. Antonia não se mexeu. Nell semicerrou os olhos e os seus traços suavizaram-se.

– Tem de se avisar o senhor Geoffrey para que se apresente na sala de jantar, disposto a comportar-se civilizadamente?

A pergunta despertou Antonia do seu ensimesmamento.

– Pelo amor de Deus, sim! Tinha-me esquecido de Geoffrey.

– Seria a primeira vez... – resmungou Nell.

Antonia franziu o sobrolho e não ligou.

– Certifica-te de que não aparece com o nariz colado a um livro.

– Vou deixá-lo bem claro – Nell assentiu e saiu.

Quando a porta se fechou, Antonia virou-se novamente para o jardim e deixou que a sua beleza lhe imbuísse os sentidos. Adorava Ruthven Manor. Voltar fora como regressar a casa. De certo modo, de forma instintiva, o seu lar sempre fora ali, entre as colinas suaves de Sussex, coroadas por árvores tão antigas que se impunham como sentinelas enormes à volta da casa, e não em Mannering Park. Esses sentimentos e o seu afeto por Henrietta tinham influenciado a sua decisão.

Dado que Geoffrey estava quase a apresentar-se à sociedade, já estava na altura de ela fazer o mesmo.

Com vinte e quatro anos, as suas expectativas eram baixas. E lorde Philip Ruthven ainda não escolhera esposa.

Antonia fez uma careta, recordando o seu nervosismo estranho. Não havia espaço nos seus planos para desfalecimentos. Naquela tarde, dera o primeiro passo. Era inevitável que desempenhasse o seu papel. Jamais se perdoaria se, pelo menos, não tentasse.

De repente, lembrou-se da promessa de avisar a sua tia, por isso, pôs os seus pensamentos de parte. Viu-se ao espelho e começou a compor os caracóis, mas parou ao recordar a forma como Philip olhara para ela, quase como se tivesse ficado boquiaberto. Dadas as circunstâncias, era um sinal muito encorajador.

Agarrando-se a essa ideia, Antonia foi até ao quarto da tia.

 

 

No andar de baixo, na biblioteca, após beber uma caneca de cerveja, Hugo quis satisfazer a sua curiosidade.

– Mannering, Mannering... – murmurou e olhou para Philip, arqueando um sobrolho. – Não consigo situar a família.

Arrancado bruscamente dos seus pensamentos, nos quais recordava os lábios mais tentadores que alguma vez vira, Philip pousou a sua caneca vazia.

– Yorkshire.

– Ah, isso explica tudo... – Hugo assentiu com a cabeça. – Os bárbaros do norte.

– Não é para tanto – Philip recostou-se na cadeira. – Segundo sei, Mannering Park é uma propriedade com alguma importância.

– E o que faz aqui a sua herdeira?

– É sobrinha de Henrietta. O pai dela era o único irmão da minha madrasta. Lady Mannering e ela costumavam vir de visita todos os verões – Philip viu novamente aquela rapariga de tranças compridas, sentada em cima do cavalo preferido do seu pai. – Deixavam Antonia aqui enquanto iam fazer as suas visitas de verão. Andava sempre por aqui, rindo-se e tagarelando, mas sem nunca ser irritante.

Philip era dez anos mais velho do que ela, mas a diferença de idades nunca amedrontara Antonia. Ele vira-a a passar de uma menina encantadoramente precoce a uma rapariga com uma beleza extraordinária. Agora, tinha de se habituar à transformação.

– Deixaram de vir quando o pai dela morreu. Faz agora oito anos. Pelo que percebi, depois disso, lady Mannering sentia-se demasiado cansada para enfrentar a agitação da vida social. Henrietta tinha, e tem, muito carinho por Antonia. Convidava-a sempre, mas, pelos vistos, lady Mannering não podia prescindir da filha.

Hugo arqueou os sobrolhos.

– Quer dizer que a menina Mannering conseguiu finalmente fugir das garras da mãe?

Philip abanou a cabeça.

Lady Mannering morreu há um ano. Henrietta continuou a convidá-la com grande empenho, mas, se bem me lembro, queixava-se de que Antonia estava decidida a ficar em Mannering Park para cuidar do irmão mais novo – Philip franziu o sobrolho. – Mas não me lembro de quantos anos tem. Nem sequer me lembro do nome dele.

– Seja como for, parece que ela mudou de ideias.

– Conhecendo Antonia, duvido. A não ser que tenha mudado muito, claro – passado um minuto, Philip acrescentou: – Talvez o irmão tenha ido para Oxford.

Hugo suspirou, enquanto observava a expressão distraída do seu amigo.

– Lamento ser tão óbvio, mas há aqui um mistério, caso não tenhas reparado.

Philip olhou para ele, desconfiado.

– Um mistério?

– Tu olhaste bem para ela? – Hugo endireitou-se, gesticulando. – É muito bonita. Não é uma criança, mas também não é velha. E é daquelas que conseguiria um batalhão de pretendentes. E, no entanto, pelos vistos, está solteira – recostando-se na sua poltrona, Hugo abanou a cabeça. – Não tem sentido. Se é de tão bom berço e tão bem relacionada como dizes, já deveria ter-se casado há alguns anos – depois, de repente, perguntou: – No norte, há cavalheiros, não há?

Philip arqueou os sobrolhos lentamente.

– Claro que sim e não serão todos cegos.

Passaram alguns minutos, durante os quais ambos ponderaram uma situação que, segundo as suas experiências, era um enigma.

– Sim, é um pouco estranho – disse Philip, finalmente. – Dados os factos que acabaste de expor com tanta eloquência, só posso concluir que tu e eu, querido Hugo, somos os primeiros a ver a menina Mannering em muitos anos.

Os olhos de Hugo aumentaram lentamente.

– Não estás a sugerir que a mãe dela a manteve encarcerada este tempo todo, pois não?

– Encarcerada, não, mas quase. Mannering Park é muito isolada e, segundo sei, lady Mannering transformou-se numa espécie de reclusa – Philip descruzou as pernas e levantou-se com uma expressão indecifrável. Olhou para Hugo. – Acho que devia ir cumprimentar Henrietta. Quanto ao estado da menina Mannering, suspeito que descobriremos brevemente que é consequência direta da reclusão da sua mãe.

 

 

Lady Henrietta Ruthven expressou-o com maior veemência.

– É uma pena, se queres saber a minha opinião. Não! – levantou a mão e a sua papada rosada tremeu de indignação. – Sei que não deve falar-se mal dos mortos, mas Araminta Mannering descuidou a pobre Antonia de forma imperdoável.

Estavam na sala de estar de Henrietta. Um lugar acolhedor, cheio de flores e almofadas bordadas. Henrietta ocupava a sua poltrona preferida, junto da lareira. Philip permanecia de pé, à frente dela, com um braço estendido sobre o suporte da lareira. Ao fundo da sala, Trant, a aia de Henrietta, costurava habilidosamente, com a cabeça curvada e o ouvido apurado.

Henrietta levantou os seus olhos azuis enfraquecidos, momentaneamente iluminados pela raiva, e continuou:

– Se não tivesse sido pela boa vontade das restantes senhoras da região, aquela pobre menina teria crescido sem a mais pequena ideia das maneiras próprias de uma dama – Henrietta ajeitou o xaile, com expressão irritada. – Em relação a arranjar um casamento conveniente, custa-me dizê-lo, mas estou convencida de que Araminta não tinha a mínima intenção de casar a filha.

Com o sobrolho franzido, Henrietta parecia um mocho zangado. Philip tentou tranquilizá-la.

– Vi Antonia quando cheguei. Parecia muito segura de si, como sempre.

– Era preciso muito mais! – Henrietta lançou-lhe um olhar desdenhoso. – Aquela rapariga não é uma dessas coitadas que esmorecem à primeira mudança. Araminta deixou a administração daquela casa enorme e velha sobre os ombros dela. Naturalmente, Antonia sabe receber visitas e fazer de anfitriã. Fá-lo há anos. E não só. Também tinha de tratar da propriedade e de Geoffrey. É um milagre não se ter ido abaixo com o peso de tantas responsabilidades.

Philip arqueou um sobrolho.

– Os ombros dela parecem ter aguentado admiravelmente bem essa carga.

– Ora! – Henrietta lançou-lhe um olhar zangado e afundou-se mais na poltrona. – Seja como for, não está certo. A pobre rapariga devia ter saído de lá há anos – calou-se enquanto brincava com a ponta do xaile e, depois, levantou o olhar para Philip. – Não sei se sabes, mas oferecemo-nos para a levar a Londres, para a apresentar à sociedade. O teu pai insistia nisso. Sabes que sempre teve um fraco por Antonia.

Philip assentiu, consciente de que a sua madrasta tinha razão. Mesmo quando, aos doze anos, Antonia cometera a insensatez de selar o melhor cavalo de caça do seu pai e levara o animal nervoso para dar um longo passeio pelo parque, lorde Horace Ruthven, tão assustado como os outros, gabara-lhe a ousadia, em vez de lhe dar umas palmadas. Nunca escondera a admiração que sentia pela franqueza e pelo aprumo de Antonia, admiração que Philip sempre partilhara.

– Chegámos a suplicar a Araminta, mas não quis sequer ouvir falar do assunto – o olhar de Henrietta ficou frio. – Estava claro que achava que o papel de Antonia consistia em ser enfermeira e aia dela. Estava empenhada em fazer com que a rapariga não tivesse nenhuma oportunidade. De qualquer forma – prosseguiu, com firmeza, – agora que está aqui, estou decidida a fazer tudo o que puder por ela – levantou a cabeça e fixou um olhar desafiador em Philip. – Estou a pensar em levá-la a Londres.

Philip sentiu-se aturdido por um instante, mas não sabia bem porquê. Recuperando imediatamente o seu aprumo habitual, arqueou os sobrolhos.

– A sério? – Henrietta assentiu. Seguiu-se uma pausa, que Philip conseguiu interromper com alguma indecisão. – Posso perguntar-te se tens algum... Algum plano?

Um sorriso beatífico franziu o rosto de Henrietta.

– Penso arranjar-lhe um bom marido, claro.

Philip ficou imóvel por um instante, com expressão impassível. Depois, baixou os olhos.

– Claro – fez uma reverência elegante e, quando se endireitou, a sua expressão era tão cortês como o seu tom. – Hugo Satterly está lá em baixo. Tenho de voltar para junto dele, se não te importares.

Só quando a porta se fechou atrás dele e ouviu os passos de Philip a afastarem-se pelo corredor é que Henrietta deixou escapar um risinho alegre.

– Não foi um mau começo, embora não deva dizê-lo.

Trant aproximou-se para lhe ajeitar as almofadas e compor o xaile.

– Parece que já se encontraram.

– Sim, que sorte! – Henrietta sorriu, radiante. – Acho que houve mão do destino nesse encontro.

– Talvez, mas a verdade é que ele não parece muito impressionado. Não lance já os foguetes – Trant estava com a sua senhora desde o casamento dela com o falecido lorde Ruthven e vira desfilar suficientes jovens aspirantes ao papel de esposa do jovem lorde Ruthven para albergar algumas reservas em relação à suscetibilidade de Philip. – Não quero que se desiluda se as coisas não correrem bem.

– Tolices, Trant! – Henrietta virou-se para olhar para a aia. – Se há coisa que aprendi após dezasseis anos a observar Philip é que não podemos confiar nas suas reações. Estou convencida de que tem os nervos tão moderados pelo tédio que, mesmo que sofresse um verdadeiro choque, apenas arquearia um sobrolho. Não pode esperar-se discursos apaixonados, nem declarações loucas de Philip, podes ter a certeza disso. Mas, de qualquer forma, estou decidida, Trant.

– Estou a ver.

– Decidida a fazer com que o meu enteado apático e enfastiado morda o anzol de Antonia Mannering – Henrietta bateu no braço da poltrona com veemência e virou-se para olhar para Trant, que estava junto da janela. – Tens de admitir que Antonia tem tudo o que Ruthven precisa.

Trant assentiu, sem levantar o olhar do seu trabalho.

– Tudo o que precisa e mais ainda, não o nego. Vimo-la a crescer e sabemos de onde vem. Boa constituição, bom berço e todas as virtudes que alguém pode desejar.

– Exatamente – os olhos de Henrietta brilharam. – É exatamente o que Philip precisa. A única coisa que é preciso é que ele se aperceba disso. Não deve ser muito difícil. Não é assim tão distraído.

– É isso que me preocupa, se quer saber a minha opinião – Trant cortou a linha e enfiou a mão no seu cesto. – Apesar daquele ar apático, é um jovem muito esperto. Se desconfiar dos seus planos, pode fugir. Não por não gostar da rapariga, mas para não se deixar persuadir, se é que está a entender-me.

Henrietta franziu os lábios.

– Sim, entendo. Ainda me lembro do que aconteceu quando convidei a menina Locksby e a sua família para passarem cá uma semana e prometi que Philip ia estar cá, lembras-te? – tremeu. – Philip olhou para a mãe da menina Locksby e, nesse preciso instante, disse que tinha um compromisso em Belvoir. Que vergonha! Passei a semana toda a tentar fazê-las esquecer – Henrietta suspirou. – E o pior de tudo foi que, depois dessa semana, tive de agradecer aos céus por não se casar com a menina Locksby. Não suportaria ter a mãe dela como parente.

Trant conteve uma gargalhada, mas deixou escapar um suspiro.

– Sim, bom – Henrietta ajeitou o xaile. – Podes ter a certeza de que sei perfeitamente que devemos agir com muito cuidado. E não só por Philip. Se Antonia se aperceber disto, é possível que, pelo menos, se mostre pouco complacente.

Trant assentiu.

– Sim. Ela gosta tão pouco como o senhor que a enganem.

– Exato. Mas, gostando ou não, acho que é o meu dever, Trant. Como disse antes, eu não sou ninguém para criticar Philip, mas, neste assunto em particular, acho que está a deixar que a sua indolência natural o leve a descuidar as suas obrigações para com o seu nome e linhagem. Tem de se casar e ter descendentes. Tem trinta e quatro anos e nunca deu mostras de sucumbir às setas do Cupido – declarou. – Admito que o melhor seria que se mostrasse sensível aos encantos de Antonia, mas não podemos cimentar os nossos planos sobre improbabilidades. Não! Temos de fazer o que pudermos, com muito tato, isso sim, para os juntar. Antonia é agora responsabilidade minha, pense ela o que pensar. E quanto a Philip – Henrietta fez uma pausa e pousou uma mão sobre o peito, – considero meu dever sagrado para com o falecido pai dele vê-lo casado como é devido.