Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.
Núñez de Balboa, 56
28001 Madrid
© 1995 Nora Roberts. Todos os direitos reservados.
RECORDANDO O PASSADO, N.º 160 - Abril 2013
Título original: The Return of Rafe Mackade
Publicada originalmente por Silhouette® Books
Publicado em português em 2008
Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.
Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.
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I.S.B.N.: 978-84-687-2937-4
Editor responsável: Luis Pugni
Conversão ebook: MT Color & Diseño
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Os irmãos MacKade andavam à procura de confusões, como de costume, algo que não era assim tão fácil na pequena localidade de Antietam, em Maryland, mas o mais divertido era procurá-las.
Quando entraram no Chevrolet em segunda mão, começaram a discutir sobre quem conduziria. O carro era de Jared, o mais velho, mas isso não importava muito aos seus três irmãos.
Rafe queria conduzir. Precisava de um pouco de velocidade, de percorrer as estradas ziguezagueantes, carregando a fundo no acelerador. Pensava que talvez assim conseguisse fugir do seu humor sombrio, ou, talvez, enfrentá-lo. Se o derrotasse, sabia que continuaria a conduzir até chegar a outro lugar.
A qualquer outro lugar.
Tinham enterrado a sua mãe duas semanas antes.
Talvez por o seu perigoso estado anímico se notar claramente nos olhos verdes de Rafe e na forma como apertava os lábios, decidiram que ele não conduziria. Por fim, Devin sentou-se ao volante e Jared ocupou o lugar do passageiro. Rafe acomodou-se no banco traseiro, junto de Shane, o mais novo dos quatro irmãos.
Os MacKade eram um grupo duro e perigoso. Todos eles eram altos e fortes, com os punhos dispostos e, por vezes, demasiado predispostos a descarregarem em algo. Os seus olhos, olhos típicos dos MacKade, com diferentes tons de verde, conseguiam congelar com o olhar. Quando se encontravam de mau humor, as pessoas que sabiam o que lhes convinha afastavam-se deles.
Foram jogar bilhar e beber cerveja, embora Shane se tivesse queixado, já que ainda não tinha vinte e um anos, a maioridade nos Estados Unidos, e, portanto, não lhe serviriam álcool.
De qualquer forma, a Taberna Duff, pouco iluminada e carregada de fumo, pareceu-lhes o lugar adequado. Os golpes das bolas de bilhar proporcionavam-lhes a violência necessária e o olhar de Duff Dempsey era suficientemente perturbador. A apreensão dos olhos dos outros clientes, que mexericavam por cima das suas cervejas, era suficientemente lisonjeadora.
Ninguém duvidava que os MacKade estivessem à procura de confusões. No fim, encontravam sempre o que queriam.
Com um cigarro na boca, Rafe apontou com o taco. Não se barbeava há alguns dias e a sombra no seu rosto tornava o seu aspecto mais selvagem. Com um golpe certeiro, fez a bola branca ricochetear contra a mesa, batendo numa das bolas lisas e fazendo-a entrar no buraco.
– Ainda bem que tens sorte em algo – comentou uma voz atrás de si.
Joe Dolin estava sentado no balcão, a beber a sua cerveja. Como costumava acontecer depois do pôr-do-sol, estava bêbedo e o álcool tornava-o cruel. No passado, fora a estrela da equipa de futebol americano da sua universidade e competia com os MacKade para chamar a atenção das raparigas. Agora, mal passava dos vinte anos, mas o seu rosto estava sempre avermelhado e engordara de forma considerável.
O olho arroxeado que deixara à sua jovem esposa antes de sair de casa não o satisfizera.
Rafe pôs giz no seu taco e mal olhou para Joe.
– Agora que a tua mãe morreu, precisarás de algo mais que um golpe de sorte no bilhar para cuidares daquela quinta – insistiu Joe, sorrindo. – Soube que vais começar a vender para pagares os impostos.
– Pois, informaram-te mal! – respondeu Rafe, com frieza, contornando a mesa para calcular a sua próxima tacada.
– A minha informação é de confiança. Os MacKade sempre foram uns idiotas e uns mentirosos.
Antes que Shane pudesse aproximar-se, Rafe interceptou-o com o taco.
– Está a falar comigo – disse num tom tranquilo.
Sustentou o olhar do seu irmão durante um momento antes de se virar.
– Não é assim, Joe? – perguntou ao bêbedo. – Estavas a falar comigo, não era?
– Estou a falar com todos vocês – disse, olhando para eles, um a um.
Shane, com vinte anos, estava calejado pelo trabalho na quinta, mas continuava a ser um rapaz. Depois, olhou para Devin, cujo olhar pensativo e frio revelava pouco. Jared estava apoiado contra a jukebox, à espera do movimento seguinte.
Por último, olhou para Rafe. Parecia furioso, pronto para saltar.
– Mas tu serves-me – concluiu Joe. – Sempre achei que eras o maior falhado de todos.
Os clientes começaram a acomodar-se para presenciarem o confronto.
– A sério? – Rafe apagou o cigarro e bebeu um gole de cerveja, como se se tratasse de um ritual prévio à luta. – Como estão as coisas na fábrica, Joe?
– Pelo menos, tenho um ordenado. Trabalho em troca de dinheiro, não sou como outras pessoas. E ninguém vai tirar-me a minha casa.
– Não enquanto a tua mulher continuar a trabalhar doze horas por dia para pagar a renda.
– A minha mulher não te diz respeito. Sou eu quem usa as calças. Não preciso que uma mulher me sustente, como a vossa mãe fazia com o vosso pai. Gastou toda a sua herança e depois morreu.
– Sim, morreu – disse Rafe, cada vez mais furioso, – mas nunca lhe pôs uma mão em cima. A minha mãe nunca teve de vir para a vila com um xaile e óculos de sol, a dizer que tinha caído. O teu pai batia à sua mulher e tu fazes o mesmo à tua.
Joe deixou a garrafa no balcão com um golpe.
– Isso é mentira. Vou fazer-te engolir isso.
– Tenta.
– Está bêbedo, Rafe – murmurou Jared.
– E depois? – perguntou, olhando para o seu irmão, com os seus olhos verdes mortíferos.
– Não tem muito sentido partires-lhe a cara quando está bêbedo. Não vale a pena.
Mas Rafe não precisava dos seus discursos. Só precisava de acção. Levantou o seu taco, olhou atentamente para ele e deixou-o em cima da mesa de bilhar.
– Não comecem aqui – disse Duff, embora soubesse que já era demasiado tarde. – Se armarem confusão, telefonarei ao xerife, para ver se se acalmam na prisão.
– Deixa o telefone em paz! – avisou-o Rafe. – Vamos lá para fora.
– Tu e eu – disse Joe, olhando para os MacKade com os punhos fechados. – Não quero que os teus irmãos se atirem a mim enquanto te dou uma surra.
– Não preciso de ajuda contigo.
Para o demonstrar, assim que saíram para a rua, Rafe afastou-se, esquivando-se do primeiro golpe de Joe. Em seguida, arremessou o punho contra o seu rosto e sentiu o sangue na mão.
Nem sequer sabia porque estava a lutar. Joe não significava absolutamente nada para ele. Mas supôs que a sua mulher se alegraria de ver que ela não era sempre a vítima. Quanto a Rafe, precisava de descarregar e Joe proporcionava-lhe a desculpa perfeita.
Devin fez uma careta e enfiou as mãos nos bolsos.
– Dou-lhe cinco minutos.
– Rafe acabará com ele em três – disse Shane, sorrindo, enquanto os adversários rolavam pelo chão.
– Dez dólares.
– Combinado. Vá lá, Rafe! – gritou Shane. – Despacha-te.
Com efeito, a luta só durou mais três minutos. Quando Joe parecia inconsciente, e Rafe continuava a bater-lhe de forma metódica, Jared aproximou-se para afastar o seu irmão.
– Já chega! Já chega! – repetiu, segurando Rafe contra a parede. – Deixa-o em paz.
A pouco e pouco, Rafe voltou à realidade. A cólera foi desaparecendo dos seus olhos e abriu os punhos.
– Está bem, Jared, podes largar-me. Não vou continuar a bater-lhe.
Rafe olhou para Joe, que gemia, semi-inconsciente. Por cima do seu corpo, Devin entregava dez dólares a Shane.
– Devia ter tido em conta como estava bêbedo – comentou Devin. – Se estivesse sóbrio, Rafe teria demorado mais dois minutos.
– Rafe nunca desperdiçaria cinco minutos com um traste como este.
Jared abanou a cabeça. Deixou de segurar Rafe e passou-lhe o braço por cima dos ombros.
– Queres outra cerveja?
– Não.
Olhou para o balcão do bar, onde se tinham reunido quase todos os clientes. Limpou o sangue do rosto, com expressão ausente.
– É melhor alguém levá-lo a casa! – gritou. – Vamos embora.
Quando se meteu no carro, os golpes recebidos começavam a notar-se. Ouviu, sem muito interesse, os comentários entusiastas de Shane e usou o lenço de Devin para limpar o sangue da boca.
Pensou que não ia a lado nenhum. Não fazia nada. A única diferença entre Joe Dolin e ele era que Joe estava sempre bêbedo.
Odiava a maldita quinta, a maldita vila, a maldita armadilha em que tinha a impressão de estar a meter-se cada vez mais, a cada dia que passava.
Jared tinha os seus livros e os seus estudos, Devin tinha os seus pensamentos estranhos e importantes, e Shane parecia ter nascido para a quinta.
Não tinha nada.
No fim da vila, onde a terra começava a tornar-se escarpada e as árvores eram mais frondosas, viu uma casa. A antiga casa dos Barlow. Escura, desabitada e assombrada, segundo os falatórios. Estava isolada, sem ninguém que se interessasse por ela, com uma reputação que fazia com que a maioria dos vizinhos ignorasse a sua existência ou a olhasse com apreensão.
Rafe MacKade fazia exactamente o mesmo.
– Pára!
– O que se passa, Rafe? Sentes-te mal? – perguntou Shane, com mais asco do que preocupação.
– Não. Pára, Jared, por favor!
Assim que o carro parou, Rafe saiu e começou a subir a encosta rochosa. As silvas e os arbustos prendiam-se às suas calças de ganga. Não precisava de se virar para trás para ouvir os palavrões e os murmúrios que indicavam que os seus irmãos o seguiam.
Olhou para os três andares de pedra. Supunha que a tinham tirado da pedreira que se encontrava a alguns quilómetros da localidade. Algumas das janelas estavam partidas e tapadas com tábuas, e as portadas estavam encurvadas. O que outrora fora relva era agora um matagal de silvas. Um olmo morto erguia-se entre as plantas, minado pelos parasitas e desprovido de folhas.
Mas, à luz da lua, enquanto se ouvia o uivar do vento entre as árvores e as ervas, aquele lugar tinha algo de acolhedor. A forma como se mantinha de pé há duzentos anos. A forma como se sobrepunha à passagem do tempo, às inclemências e ao abandono. E, sobretudo, pensou Rafe, a forma como ignorava as desconfianças e os falatórios da vila.
– Queres procurar fantasmas, Rafe? – perguntou Shane.
– Talvez.
– Recordas-te quando passámos uma noite aqui? – comentou Devin, esmiuçando uma erva entre os dedos, com expressão ausente. – Deve ter sido há dez anos. Jared subiu as escadas e começou a fazer as portas rangerem, e Shane molhou as calças.
– Isso é mentira!
– É verdade. Lembro-me perfeitamente.
Os outros dois irmãos não prestaram atenção à previsível troca de insultos.
– Quando vais? – perguntou Jared, em voz baixa.
Sabia. Intuíra-o ao ver como Rafe olhava para a casa, como se conseguisse ver dentro dele, como se conseguisse ver através dele.
– Esta noite. Tenho de sair daqui. Tenho de fazer algo longe daqui. Se não, acabarei como Dolin ou talvez pior. A mamã morreu. Já não precisa de mim. Embora, na verdade, nunca tenha precisado de ninguém.
– Tens ideia de para onde queres ir?
– Não. Talvez para o sul.
Não conseguia desviar a vista da casa. Poderia ter jurado que o observava, formando uma opinião sobre ele. À espera.
– Enviarei dinheiro, quando puder – acrescentou. Embora se sentisse como se estivessem a esfolá-lo vivo, Jared limitou-se a assentir.
– Nós desenvencilhamo-nos.
– Tens de acabar o curso de Direito. A mamã queria que o fizesses – olhou para trás, onde os seus dois irmãos continuavam a discutir acaloradamente. – E também precisarão quando souberem o que querem.
– Shane sabe o que quer. A quinta.
– Sim – tirou um cigarro, com um leve sorriso. – Vende parte das terras, se for necessário, mas não permitas que fiquem com tudo. Temos de preservar o que é nosso. Antes que tudo se acabe, esta cidade recordará que os MacKade eram muito especiais.
O sorriso de Rafe alargou-se. Pela primeira vez em várias semanas, cessava a dor interior que o consumia. Os seus irmãos estavam sentados no chão, cobertos de terra e arranhados pelos arbustos, a rirem-se.
Prometeu a si próprio que os recordaria assim, como estavam naquele momento. Os MacKade mantinham-se unidos sobre um terreno rochoso que ninguém queria.