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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2012 Heidi Rice

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Mais que uma noite, n.º 1215 - Outubro 2014

Título original: The Good, the Bad and the Wild

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Harlequin Desejo e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5833-6

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Capítulo Um

 

– Não olhes. Já está aqui, mesmo atrás de nós.

Eva Redmond sentiu um baque no coração quando ouviu as palavras de Tess, uma antiga amiga da universidade, entre o bulício que inundava a famosa galeria de arte de São Francisco.

– Tens a certeza?

Tess olhou por cima do ombro direito de Eva.

– É alto? Sim. Com o cabelo escuro? Sim. Atraente? Também. O único que não usa fato? Sim – sorriu Eva. – Sem dúvida é o guionista rebelde de que estás à espera. E tens sorte. Além de ter vindo só, é muito mais atraente do que parece na foto.

Eva contemplou a enorme tela que tinha diante e que se intitulava A explosão dos sentidos, e engoliu em seco para tentar desfazer o nó de apreensão que sentia na garganta desde que subira ao avião em Heathrow naquela manhã.

– Olha que bem! – murmurou ela.

Tess deu-lhe um empurrãozinho.

– Não te entusiasmes tanto.

– Porque ia estar entusiasmada? – perguntou Eva com um sussurro, quase convencida de que o intenso poder de atração de Nick Delisantro não ia ser favorável para ela. Se ao menos fosse um académico aborrecido... Conformar-se com o que se conhece pode ser aborrecido, mas tem as suas vantagens.

– Porque não o ias estar? – perguntou-lhe Tess. – Para mim, ter de dar a notícia a um homem tremendamente atraente de que é o herdeiro de uma grande fortuna, é algo formidável.

Eva resistiu para não olhar por cima do seu ombro.

– Sim, mas eu não sou tu – comentou olhando para a amiga.

Tess parecia muito segura de si própria e estava muito elegante com o vestido de seda azul e os sapatos de salto que exibia. Além disso, aparentava sentir-se muito à vontade no ambiente sofisticado da inauguração que se celebrava numa galeria de Union Square, em São Francisco. E não era de estranhar. Tess tinha passado os três últimos anos forjando uma reputação formidável como organizadora de eventos. Enquanto isso, Eva tinha passado os anos desde que terminara os estudos em Cambridge examinando poeirentos documentos antigos e dados informáticos. Não era capaz de socializar e nunca se tinha sentido tão fora de lugar como naquele ambiente tão elegante, rodeada de gente que tinha convertido as relações sociais numa arte.

Foi invadida por um sentimento de solidão. Tentou não pensar nisso. Não estava sozinha, a sua vida era tal como ela desejava que fosse. Sossegada, segura, satisfatória. Até dois dias antes, quando Henry Crenshawe, o seu chefe, lhe tinha pedido que viajasse para a outra ponta do globo para que a humilhassem em público.

– E não é tão simples como dizer que poderia ser o neto de Duca D’ Alegria. Também terei de lhe dizer que o homem que ele julgava ser o seu pai biológico não é – Eva ficou tensa perante a ideia de ter uma conversa tão íntima com um desconhecido. Um desconhecido tremendamente atraente que tinha ignorado todas as tentativas de contactar com ele durante quase um mês. – Não te deveria ter permitido que me convencesses para combinar um encontro aqui. Não é o correto.

Tess encolheu os ombros.

– Pois não lho digas diretamente. Primeiro faz-te a ele. Será muito mais agradável. Garanto-to.

Eva tinha as suas dúvidas a esse respeito. Não sabia seduzir e aquele homem era um mestre no tema. Era uma das coisas que tinha descoberto durante o extenso estudo que tinha feito sobre o novo cliente da empresa, Niccolo Carmine Delisantro, o homem que ela tinha deduzido que era o neto ilegítimo pelo que Dom Vincenzo Palatino Vittorio Savargo De Rossi, Duca D´Alegria, oferecia uma pequena fortuna a quem o localizasse.

Os detalhes da vida de Delisantro não lhe tinham dado muita informação a respeito de como era como pessoa, saído de North London para se converter num bem-sucedido guionista de Hollywood, que residia em São Francisco e que cinco anos antes tinha escrito o guião do maior êxito de bilheteira da década, e que além disso tinha muito sucesso com as mulheres e protegia a sua intimidade como se fosse um falcão.

– Dá uma vista de olhos e verás quem vais enfrentar – comentou Tess indicando-o com o copo de champanhe. – Kate Elmsly encurralou-o – acrescentou, mencionando a animada proprietária da galeria de arte que as tinha saudado um pouco antes.

Eva voltou-se e, ao notar que se lhe cortava a respiração, bebeu um sorvo de champanhe. Aquilo era pior do que esperava.

Tess tinha razão. A foto que ela tinha encontrado na Internet não fazia justiça a Nick Delisantro.

Nenhum ser humano tinha direito a mostrar esse nível de perfeição. As madeixas do seu cabelo castanho e ondulado chegavam até ao colarinho do blusão de pele desgastada, a condizer com a camisola e as calças de ganga. Tinha os pómulos proeminentes e a tez bronzeada cor de azeitona que evidenciava a sua origem italiana. Era alto e musculoso e destacava-se entre a multidão de celebridades e dignitários locais. O seu intenso charme captava o olhar de todas as mulheres, incluído o seu. E a maneira relaxada, quase insolente, de se apoiar numa coluna enquanto a dona da galeria falava com ele fazia-o parecer mais interessante. Sério, sexy, magnético e cativador, Nick Delisantro era o protótipo perfeito para assegurar a sobrevivência da espécie.

Eva suspirou e estremeceu. Ela era o protótipo perfeito para assegurar a extinção da espécie. Uma estudiosa cujo conhecimento dos homens e do sexo se resumia a uns poucos e desajeitados encontros e uma paixão secreta pelas novelas históricas românticas que mostravam homens seminus de torso musculoso na capa.

Desceu a vista para olhar o elegante vestido que Tess lhe tinha emprestado, e murmurou:

– Isto não vai funcionar. Vejo-me ridícula.

O decotado vestido de veludo vermelho ficaria lindamente à sua amiga, mas Eva era um pouco mais baixa e tinha muito mais peito. Ao experimentá-lo tinha-se entusiasmado, mas depois não se encontrava à vontade vestida assim.

Eva não era uma dessas belas damas em apuros, com longas tranças e suficiente caráter para fazer que um capitão pirata se ajoelhasse perante ela. Só era uma mulher com aversão ao risco e um armário cheio de roupa aborrecida, que continuava a ser virgem aos vinte e quatro anos.

Tess acariciou-lhe o antebraço para sossegá-la e disse-lhe:

– Não estás ridícula. Estás esplêndida.

Eva cruzou os braços.

– Mostrar-lhe os meus seios não me parece que seja o correto – disse, sentindo-se cada vez mais incomodada. – O que deveria fazer era ir amanhã ao escritório do seu agente e marcar uma reunião – isso seria o mais sensato, e tinha sido a sua intenção até que Tess descobriu através dos seus numerosos contactos que Nick Delisantro assistiria à inauguração e conseguiu um par de convites.

– Luzir decote nunca é má ideia quando se trata de homens – asseverou Tess. – E disseste que este assunto era importante. Se o seu agente não te der um espaço, que vais dizer ao teu chefe?

Eva não tinha resposta para isso. O senhor Crenshawe tinha-lhe dito com toda a clareza que a encomenda de De Rosse era muito valiosa para a Roots Registry e que se Eva conseguisse localizar o herdeiro perdido antes que outra das companhias rivais que o duque tinha contratado o localizasse, ela poderia obter uma promoção.

Esse era um incentivo poderoso. Eva adorava o seu trabalho. Submergir-se em diários, documentos e jornais e relacionar os seus dados com os das certidões de nascimento, casamento e óbito permitia-lhe imaginar as vidas que outros tinham vivido noutras épocas, as suas paixões, as suas penas, os seus triunfos e as suas tragédias. E a promoção pela qual tanto se tinha esforçado podia dar-lhe por fim a segurança profissional que tanto almejava.

Tess ergueu a vista acima de Eva.

– Parece que se livrou da Kate. Força! – animou-a Eva com uma cotovelada. – Vai para o bar e passa por ele, roçando-o. O vestido fará o resto.

– E se não funcionar? – perguntou Eva

Tess encolheu os ombros.

– Então, não perdes nada. Regressaremos a minha casa e amanhã poderás experimentar o outro plano.

– Está bem – Eva respirou fundo. – Passarei ao seu lado quando me dirigir para a casa de banho, mas depois vamo-nos embora.

Entregou a Tess o copo de champanhe vazio e passou as mãos pelo vestido. Concentrou-se para não cair ao caminhar com os sapatos de salto alto que Tess lhe tinha emprestado. Quando chegou ao seu lado, olhou-o convencida de que ele nem sequer teria reparado nela. E ficou de pedra.

Niccolo olhava-a com uns olhos cor de chocolate, tão atrevidos e insolentes como ele. A Eva recordou-lhe Rafe, o capitão pirata da sua novela favorita. Ficou cativada pelo brilho do seu olhar. A cor resultava-lhe surpreendente, mas muito familiar.

Niccolo pôs um meio sorriso, como se desfrutasse de uma piada privada, e olhou-a fixamente.

Eva notou que se lhe acelerava o coração.

– Conheço-a?– perguntou ele com um tom ligeiramente sarcástico.

Eva negou com a cabeça.

– Então, porque tem andado a espiar-me mais a sua amiga?

Eva ficou sem respiração. Não era possível que as tivesse ouvido com tanto ruído. Teria notado como Tess o tinha olhado, não era nada discreta.

– Não pudemos evitar – disse ela, pensando numa boa desculpa. – É muito mais interessante do que a arte.

– Deveras? – arqueou uma sobrancelha, provocando que a ela se lhe acelerasse o coração. – Não tenho a certeza de que isso seja um elogio. Um sabonete seria mais interessante do que o que há aqui – disse com desdém. – Porque lhe pareço tão interessante?

Eva sentiu a cabeça às voltas.

Estava a fazer-se a ela?

– Não encaixa muito neste ambiente – gaguejou ela. – Mas não se importa. Isso é estranho. O normal é querer participar. Fazer parte da multidão. Por isso resulta interessante.

Calou-se ao ver que ele sorria olhando-a com curiosidade.

Ele separou o corpo da coluna e apoiou o braço nela, inclinando-se para Eva. Estava suficientemente perto para que ela pudesse cheirar o aroma a sabão e a couro que se desprendia do seu corpo. E para ver a cicatriz que tinha na face, ensombrecida por uma barba incipiente. A fantasia de pirata apareceu de novo na sua cabeça, provocando que se lhe acelerasse o coração.

– Descobriste tudo isso em tão só uns minutos? – perguntou ele.

Um sentimento de culpa invadiu-a por dentro.

«Não exatamente», pensou.

– Dedico-me a isso. Sou antropóloga. Estudo as pessoas e os seus comportamentos. Como interagem social e culturalmente – não era uma completa mentira e tinha um título para o demonstrar.

– Uma antropóloga – disse ele, saboreando a palavra como se fosse um uísque especial. Olhou-a de alto a baixo, provocando que se lhe endurecessem os mamilos. – Nunca tinha conhecido uma antropóloga.

«E agora também não a conhece», pensou ela, afastando o olhar. Era o momento perfeito para lhe dizer a verdade, que era a mulher a quem ele não tinha retribuído os telefonemas nem as mensagens de correio eletrónico durante três semanas e meia. Mas em lugar de aproveitar a oportunidade para pedir-lhe um encontro, hesitou um instante.

Nunca tinha tido a oportunidade de seduzir um homem assim. Nunca a tinham olhado dessa maneira tão intensa, gerando nela um efeito mais potente que o de qualquer droga.

– A antropologia pode ser fascinante – murmurou ela.

– Tenho a certeza disso – disse ele. – Ainda que se engane no que a mim me diz respeito – reparou no carrapito que Tess lhe tinha penteado durante uma hora. – Encaixo perfeitamente neste lugar – acercou a mão e acariciou-lhe uma das madeixas que se lhe tinham saído do carrapito. – No entanto, você não encaixa nada – acariciou-lhe a face com as costas da mão e ela sobressaltou-se.

Ele riu-se.

– De que tem medo?

Sentiu um forte calor na zona viril ao ouvir a pergunta. Não tinha medo dele, era só que nunca a tinham acariciado dessa maneira, como se considerasse que tinha direito a fazê-lo.

– Não tenho medo – soltou ela, e desejou sair a correr. – Tenho de ir à casa de banho.

Ele colocou-lhe a madeixa de cabelo atrás da orelha e disse:

– Falaremos de antropologia quando regressares.

A ideia inquietou-a ainda mais. Quiçá fosse uma novata no tema, mas tinha a sensação de que aquela conversa não tinha nada a ver com a antropologia.

Assentiu e foi depressa, consciente de que ele tinha cravado o seu olhar na pele nua das suas costas, com a paciência e o instinto predador de um leão a caçar uma gazela.

Ao pensar nisso, cortou-se-lhe a respiração. Tinha de sair dali antes que perdesse o juízo por completo. Teria de passar ao plano seguinte, ainda que fosse mais aborrecido, porque esse era demasiado excitante e aterrador.

 

 

Nick soltou um risinho enquanto via como a sexy antropóloga abria caminho entre a multidão e observava o movimento das suas ancas.

Quando fora a última vez que tinha conhecido alguém tão interessante, e sobretudo num desses entediantes atos sociais?

Teria de enviar uma nota de agradecimento a Jay, a sua publicitária, por fazer questão de que aquela noite se separasse do ecrã do computador. Ainda que na realidade não tivesse assistido à inauguração graças à insistência de Jay, mas porque estava aborrecido de estar todo o dia diante de um ecrã.

Apoiou-se na coluna e fechou os olhos para tratar de silenciar o seu pensamento, confiando que ninguém se abeirasse dele enquanto esperava que a mulher de vermelho regressasse.

Ela tinha-o cativado e isso parecia-lhe curioso. Não gostava que o observassem ou sussurrassem sobre ele, e isso era o que ela e a sua amiga tinham feito. Mas havia algo na maneira como ela o tinha olhado, sem a segurança que ele costumava observar nas mulheres que se aproximavam dele. E quando reparou nela com mais atenção, sentiu que todos os seus sentidos se alteravam, como se fosse um adolescente carregado de hormonas.

Mantendo os olhos fechados, tratou de recordar o seu aspeto. Tinha a tez creme e quase translúcida? Os olhos azuis de uma cor tão intensa que parecia quase violeta? Umas madeixas soltas que se tinham desprendido do carrapito? Um decote pronunciado que revelava uns seios arredondados? Cheirava a sabonete e a primavera? E falava com um forte acento londrino, algo que ele não ouvia há anos?

Qualquer uma dessas coisas o poderia ter excitado. Afinal de contas, era homem. Mas a sua beleza não era a convencional. Não era demasiado alta, tinha os olhos demasiado grandes, o queixo ligeiramente proeminente, e tinha feito uns inquietantes comentários sobre ele. Ainda que pudessem estar baseados unicamente em suposições.

Não encontrava explicação para a atração tão poderosa que sentia. Ainda que, quiçá...?

Abriu os olhos e voltou-se para olhar para a porta dos lavabos.

Então, percebeu que o que mais o tinha atraído dela tinha sido a sua inesperada reação. Assim que se deteve diante dele, a respiração acelerara-se e as pupilas dilataram-se. Ele tinha-se sempre sentido indiferente quando se tratava de mulheres. Inclusive quando criança. Depois, descobriu que gostava de sexo tanto como qualquer homem, mas unicamente o considerava um alívio físico. E como consequência, nos últimos anos, desde que The Deadly Touch o tinha convertido numa das aquisições mais ardentes de Hollywood, tinha desenvolvido certo cinismo para com as mulheres com as quais tinha saído e, ainda que as relações sexuais lhe parecessem satisfatórias, cada vez lhe pareciam menos emocionantes.

Ele sabia exatamente o que tinha de fazer para atrair as mulheres que desejava, mas quando tinha sido a última vez que uma mulher tinha reagido perante ele de maneira tão instintiva e com tão pouca precaução? A sua reação fora tão transparente, e o elo entre eles tão intenso, que estava convencido que devia ter fingido. Ainda que fosse assim, cativara-o. E sentia-se intrigado. Tinha passado muito tempo desde a última vez que tinha sentido esse nível de atração. Olhou em redor e sorriu perante a sua própria impaciência. Viu-a junto à porta da casa de banho a falar ao telemóvel. Embora mais parecesse estar a suplicar. Fechou o telefone, meteu-o na mala e correu até à porta traseira da galeria.

Ele estava tão assombrado que lhe custou um instante perceber que tinha desaparecido. Foi atrás dela, abrindo caminho entre a multidão.

Onde diabo tinha de ir tão depressa? Nem sequer sabia o seu nome. E também não tinha terminado com ela.