Desejo_962.jpg

 

HarperCollins 200 anos. Desde 1817.

 

Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2008 Olivia Gates

© 2017 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

O leão do deserto, n.º 962 - maio 2017

Título original: The Desert King

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Harlequin Desejo e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-9861-5

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Prólogo

Capítulo Um

Capítulo Dois

Capítulo Três

Capítulo Quatro

Capítulo Cinco

Capítulo Seis

Capítulo Sete

Capítulo Oito

Capítulo Nove

Capítulo Dez

Epílogo

Se gostou deste livro…

Prólogo

 

Sete anos atrás

 

– Por acaso pensavas que te ia deixar partir, Kamal?

Kamal ficou imóvel. A alternativa seria perder o equilíbrio por culpa do impacto dessa voz, do desafio que encerrava, daquela presença.

Aliyah estava ali. E a julgar pela direcção da voz, estava na sua cama. Por isso se tinha sentido inquieto assim que colocara o pé na mansão. Tinha sentido a sua presença, embora soubesse por lógica que era o único lugar onde ela não poderia armar-lhe uma emboscada.

Isso já tinha feito nos restantes lugares. Como pensara que havia algum lugar onde ela não pudesse chegar, seria assim tão persistente?

Não a havia visto assim que entrara porque estava distraído a pensar nela.

Não tinha necessidade de vê-la para que ela exercesse o seu magnetismo sobre ele, para convertê-lo do homem de vinte e oito anos que diariamente dirigia milhares de pessoas, que derrotava magnatas com o dobro da idade e lhes assimilava os lucros na sua ascensão ao poder mundial, em seu escravo.

Ya Ullah, como tinha entrado ali?

Devia ter enganado os seus homens, ou talvez os tivesse seduzido.

As imagens sucederam-se no seu pensamento, imagens de Aliyah a deslizar sobre outros corpos, antes de voltar a correr para ele, de se atirar nos seus braços, de lhe reiterar o seu amor e o seu desejo por ele, arrebatando-lhe a razão com a força da sua paixão, com o seu desejo insaciável.

– Será que não sabes que não posso deixar-te? Não posso, ya habibi.

O apelativo carinhoso, o tom trémulo e intenso foram a sua perdição; Kamal cedeu e olhou para ela embora soubesse que não deveria tê-lo feito.

Aliyah estava deitada na sua cama, vestida com uma lingerie desenhada para enlouquecer qualquer homem. O seu sedoso cabelo acobreado acariciava-lhe os ombros, e tinha as pernas cruzadas num gesto recatado que sabia que o incitaria a deitar-se em cima dela para se afundar no que fingia guardar com tanto receio: o ardente centro da sua feminilidade.

Assim tinha sonhado com ela, mas esses sonhos não eram nada comparados com a realidade. Uma realidade que ela devia ter reservado para utilizar como arma, como fazia nesse momento.

Ela jamais tinha partilhado a sua cama, nem lhe tinha permitido partilhar a dela. Tinham-se encontrado em terreno neutro e tinham feito amor, ou melhor, praticado sexo, em camas estranhas. E por muito que se perdessem um nos braços do outro, por muito exaustos que terminassem, ela nunca tinha adormecido entre os seus braços.

Nesse momento estendia-lhe os braços de mãos trémulas, como se as suas emoções fossem demasiado fortes para a sua constituição miúda. A voz de Aliyah quebrou-se como se o seu entusiasmo fosse genuíno.

– Deixa de atormentar-me, ya habibi. Fala comigo, vem a mim. Sabes que o desejo.

Aih, não havia nada que ele desejasse mais do que isso, silenciar as aflições, despir o corpo que lutava por sair da sua prisão de seda e caxemira, sentir o corpo dessa mulher, afundar-se entre as suas pernas, esgotar a sua força na tempestade do seu calor, procurar o prazer para estar em paz.

Mas jamais estaria em paz. A única mulher à qual tinha convidado para fazer parte do seu ser, à qual tinha permitido estender o domínio sobre o seu pensamento, ser a sua prioridade e conformar a textura dos seus sonhos, tinha sido uma vã ilusão. Teria de aprender a conviver com a carência dessa mulher apodrecendo no seu interior, carcomendo-o.

Mais uma vez.

A tentação, a debilidade partia-o em dois. Ela sentiu-o e redobrou os seus esforços.

– Tens de falar comigo, Kamal, diz-me o que se passou. Deves-mo, deve-no-lo. Recuso-me a permitir que me deixes assim. Eu não posso deixar de te amar, tal como sei que não deixaste de me amar a mim.

Ela conhecia-o muito bem, embora ele não pudesse dizer o mesmo. Mas sim, conhecia-a. Conhecia todas as suas sujas perversões e, por isso, assim que tivesse a prova nas mãos, tinha tomado uma decisão. Jamais sucumbiria de novo, nem tentaria descarregar-se com ela. Tudo tinha terminado.

Mas ela não tinha permitido. Tinha-o perseguido, tinha fingido que a brusca ruptura a tinha destroçado. Inclusive tinha chegado a humilhar-se para que ele rectificasse a sua decisão de acabar com uma relação que tinha durado seis meses.

Nessa noite tinha conseguido encurralá-lo e Kamal perguntou-se se ela suspeitaria do muito que a desejava.

Os seus olhos de olhar sincero, como dois lagos dourados, encrespavam-se em cinzentos abismos de angústia, buscando a sua misericórdia, ditando a sua submissão. E, contra a sua vontade férrea, Kamal obedeceu. A beleza de Aliyah definia-se à medida que desaparecia a distância entre os dois, enquanto o cheiro da sua excitação lhe oprimiu as entranhas.

Então, quando estava a ponto de beijá-la, a ponto de afundar-se na armadilha da sua rendição, Kamal viu o seu alívio, a sua expressão triunfal.

Endireitou-se de imediato, como movido por uma mola de raiva e nojo dirigidos a si próprio, uma raiva que ameaçava fazê-lo explodir.

Ya Ullah…! Havia estado a ponto de cair de novo… Mas desejava tanto deixar-se levar, perder-se na opulência do seu abandono.

– Queres que te fale? – respondeu em tom seco. – Que te diga o que se passou? Tentei evitá-lo, mas como invadiste o meu lar e voltaste para me suplicar de um modo tão ridículo, eu digo-te.

Aliyah endireitou-se imediatamente com um gemido entrecortado.

– Meu Deus, Kamal, não…

– Não. Para escutar o que te vou dizer, chegaste até onde jamais pensei que poderia chegar nenhuma mulher com menos cérebro e dignidade do que tu. Portanto ouve. Acabei contigo porque me dás nojo.

Ela levantou-se da cama e começou a apanhar a sua roupa.

– Por favor, já chega…

Ele continuou com voz rouca.

– Vais ouvir até ao final porque é a verdade sobre ti, o que achaste que eu não veria. A prostituta mais ocupada de Los Angeles é mais sincera do que as mulheres como tu: prostitutas nascidas em culturas conservadoras que caem nas garras de todos os vícios mal experimentam as sociedades «livres».

Ela estava a chorar.

– Por favor… Já estou a ir… mas cala-te… não digas mais… Chega!

Ele agarrou-a pelo braço ao passar junto dele.

– Achei-te suficientemente inteligente para entenderes o que significavas para mim; um bom sexo para os momentos mortos durante o tempo em que estive aqui. É tudo.

Ela estremeceu como se lhe tivesse batido e tentou separar-se dele. Kamal debateu-se entre o desprezo e o desejo de abraçá-la, de lhe pedir perdão pela crueldade das suas palavras.

Então tudo se acumulou, como o sangue que brota de uma ferida aberta. Cada palavra, cada suspiro, cada mentira, cada passo que ele lhe tinha visto dar em direcção à cama de outro homem, um entre tantos, segundo lhe tinham contado depois…

Soltou-lhe o braço como se fosse algo fétido e putrefacto.

– Agora podes ir-te embora.

Ela cambaleou. Então algo lhe salpicou na mão, algo quente que lhe trespassou a pele e lhe chegaria até aos ossos: as suas lágrimas.

Ela estava à porta quando ele a chamou com uma voz retumbante.

– Aliyah.

Voltou-se como uma marioneta partida a qual puxam por uma corda. Mas entre a expressão de desgosto, apareceu o gesto esperançado que ele sucumbisse no último momento, ou pelo menos que deixasse a porta entreaberta para uma futura incursão. Ao vê-lo, Kamal aborreceu-se muitíssimo.

Avançou para ela com raiva, descontrolado pela primeira vez na vida, sem saber o que faria quando chegasse até ela. Fora ela que lhe tinha feito isso. Tinha-a amado mais que a sua vida, mas nesse momento odiava-a com a mesma intensidade.

Estancou, ajudado por um controlo que julgava perdido. Então ouviu um ruído que lhe pareceu alheio, como de um demente, mas que era seu.

– Se sabes o que te convém, farás o possível para que nunca mais volte a ver-te ou a saber de ti.

Nesse momento Aliyah pareceu ir-se abaixo, como se tivesse terminado de perder a esperança. Com um soluço dilacerante, saiu do seu quarto a tremer. Saiu da sua vida.

Kamal só tinha de assegurar que continuaria a ser assim.

Capítulo Um

 

O punho de Kamal ben Hareth Ben Essam El Deharia-Deen Masud precipitou-se sobre o seu oponente inerte com um rangido de ossos.

O saco de boxe balançou-se traçando um arco amplo antes de voltar para ele como um vaivém.

Com um rugido, imaginou que era uma das pessoas que o tinham colocado naquela posição, naquele desastre, e respondeu com uma descarga que teria destroçado qualquer ser vivo.

Segurou-o na última volta, apoiou a cara sobre a superfície fresca e suspirou de cansaço.

O rei de Judar estava morto. Longa vida ao rei. A ele.

Os seus irmãos tinham conseguido o que queriam. Primeiro, Faruq e depois Shehab, os seus dois irmãos tinham feito o impensável: renunciar a tudo por amor e passar-lhe a sucessão do trono de Judar. Dois dias antes de realizar o ritual de sucessão, o rei tinha morrido depois de uma doença prolongada.

Agora, participaria numa cerimónia de outra natureza: a cerimónia de tomada de posse do trono ou, como se conhecia em Judar, o joloos. Faruq e Shehab tinham passado a ser, respectivamente, o príncipe da coroa e o de reserva, e não deixavam de felicitá-lo pela sua ascensão ao trono. Ele tirar-lhes-ia essa responsabilidade de cima, e eles poderiam viver numa perpétua nuvem de felicidade doméstica e conceber príncipes para Judar, o mais rápido possível.

Como desejava bater-lhes até fazer com que recuperassem a razão; gritar-lhes que as mulheres pelas quais tinham renunciado ao trono acabariam por lhes magoar o coração. Fá-lo-iam sem adornos, de maneira brutal, isso era o que lhes desejava. No entanto, os irmãos, que um dia julgou serem pessoas sensatas, tinham-lhe respondido do mesmo modo. Com olhares serenos e gestos de lástima, os dois tinham-lhe dito que o tempo lhe demonstraria o quanto estava errado.

Malahees.

Deveria negar-se a aceitar a abdicação dos irmãos; insistir para algum deles ser rei de Judar. O que o fizesse ver-se-ia obrigado a casar com Aliyah, mesmo que já tivesse outra esposa…

Parou de repente e através da imaculada parede de vidro observou o duche de mármore com o seu conjunto de torneiras de aço inoxidável. Apertou os punhos, enquanto uma avalanche de imagens o assaltava.

Eram imagens de Aliyah casando-se com Faruq ou com Shehab, partilhando a sua cama, retorcendo-se de prazer sob o seu corpo, deixando-o louco…

B’Ellahi, teria perdido o juízo outra vez? Como podia sentir-se possessivo com uma mulher que jamais tinha possuído de verdade?

Uma mulher que não valia a pena possuir? Meteu-se no duche e abriu a torneira da água quente para rivalizar com o calor que sentia interiormente, deixando que o vapor o envolvesse com o seu sufocante abraço.

Dava-lhe raiva ter tão boa memória. A vantagem era poder destacar em qualquer terreno no qual decidisse entrar e conquistar. Por outro lado, era uma espécie de maldição, porque jamais se esquecia de nada.

Só tinha de fechar os olhos para voltar a senti-lo de novo. Cada sensação, cada pensamento que tinha tido desde que tinha posto os olhos nela.

Até esse momento, as mulheres da sua vida tinham sido da sua querida família, ou queridas amigas, ou possíveis namoradas, ou inclusive «caça fortunas» que compreendiam que ele não tinha necessidades, mas desejos que provocavam e apaziguavam, rápida e irrevogavelmente. Até então, ainda não tinha conhecido nenhuma mulher que não entrasse numa dessas categorias.

Então tinha sentido o seu olhar observando-o e todas as convenções foram apagadas de uma só cajadada. Tinha-se aproximado de imediato dela, e a sua genialidade, o seu dinamismo e a sua sinceridade ao confessar que ele tinha causado o mesmo efeito nela, tinham duplicado a força do seu impacto nele.

Temendo uma relação sem precedentes, os seus conselheiros tinham-no advertido do perigo. Aliyah não estava a aproveitar-se da sua profissão como modelo para aceder aos círculos da alta sociedade, mas estava a fazer algo pior. Não só estava a espalhar a sua beleza pouco convencional, mas também o seu status de princesa de Zohayd, violando as regras da sua cultura e da sua categoria para se tornar famosa com os escândalos e a controvérsia.

Mas, pela primeira vez, o sensato Kamal, aquele que nunca perdia o controlo, tinha ignorado aqueles conselhos. Para ele, ela tinha sido um milagre, algo que tinha pensado que jamais encontraria, uma mulher que estava feita para ele, uma mulher que vivia no Ocidente mas que tinha as suas raízes naquela cultura, uma mulher igual a ele, a todos os níveis. Ela representava a dualidade da sua natureza, a luta entre o magnata que não obedecia a nenhuma regra e o príncipe sem experiência. Kamal convenceu-se que o destino a tinha posto no seu caminho.

E assim fora. O cruel destino tinha-lhe dado a maior desgraça da sua vida.

Ainda lhe doía a indignidade do que tinha descoberto e do que tinha de enfrentar. Mas era só pela raiva que sentia por si próprio, por ter sido tão cego durante tanto tempo, por ser tão débil ao contar com outras pessoas para que a ela lhe fosse impossível voltar a chegar até ele.

No presente, eram os demais que lhe davam de novo acesso à sua vida. Por um lado, as malditas Carmen e Farah, que tinham caçado os seus irmãos, e por outro, os seus estúpidos irmãos, que tinham sucumbido à influência das esposas. E também os malditos al Shalaan, que tinham exigido a comemoração daquele casamento, se não queria que houvesse uma guerra civil. E os miseráveis al Masud, a quem aquele casamento lhes tinha parecido a situação perfeita. Mas o primeiro culpado era o rei de Zohayd.

Fora o rei Atef que tinha engendrado Aliyah, para depois negar-se a reconhecê-la como filha. Assim, a sua mãe, que era americana, tinha renunciado a ela, dando-a para adopção, sendo a irmã do rei Atef que a tinha adoptado… Na verdade, todos eles tinham culpa.

A sucessão de erros ter-se-ia mantido em segredo se o rei Atef não tivesse procurado a ex-amante e assumido que a filha que ela tinha criado também era sua. Mas a ex-amante tinha adoptado Farah quando o remorso por ter entregado Aliyah para adopção se tinha tornado insuportável. Para Farah tinha sido vantajoso. No presente, era a esposa que o tolo de Shehab adorava.

Mas para Kamal aquilo não tinha sido uma vantagem, muito pelo contrário. O círculo tinha-se fechado, juntando-o com Aliyah para sempre. Aliyah, a princesa híbrida ignorada por todos os membros da sociedade formal, mas cuja existência libertina nos Estados Unidos tinha alimentado de rumores maliciosos os círculos sociais da realeza na região.

Sentia muita raiva que, por puro acidente, uns reinos tão dominados pela tradição e pelos valores conservadores considerassem que uma mulher como ela pudesse ser rainha ou ser um instrumento de paz.

Para cúmulo, ela fingia um grande aborrecimento. Tinha dito ao pai, ao seu rei, que fosse para o inferno, que preferia a morte a casar-se com Kamal.

Kamal tinha a certeza que ela sabia que isso chegaria aos seus ouvidos, como um desafio desenhado para picá-lo, para que ele reagisse.

E fá-lo-ia. Fá-la-ia engolir as suas palavras. Mesmo que não o fizesse por razões pessoais.

Aquele era o trono de Judar.

Saiu do duche com a pele escaldada, exausto de tanto exercício, tanto físico como mental. Agarrou numa toalha de um toalheiro que estava perto e, sem se incomodar a fazer outra coisa que não enrolá-la à cintura, saiu da zona do ginásio e dirigiu-se para onde tinha o seu escritório.

Os guarda-costas, que tinham proliferado em número e intensificado a vigilância desde que tinha alcançado a categoria de futuro rei, vigiavam-no ao fundo para não restringir a sua intimidade ou liberdade de movimentos.

Como se isso fosse possível. Tinha vivido todo o tipo de restrições, e desde pequeno que tinha aprendido a ignorá-las. Nesse momento faria falta um exército ao ataque para distraí-lo das suas intenções.

Aproximou-se do computador pausadamente, deteve-se diante do ecrã e fez um clique com o rato para aceder ao seu servidor de correio. Com um duplo clique, acedeu à caixa de correio que tinha conseguido horas antes. Abriu uma mensagem.

Na prolongada pausa que se seguiu, as gotas de suor caíam-lhe pelas costas. Tinha a mente em branco.

Que mais podia dizer à mulher com a qual tão mal tinha ficado há tanto tempo? À mulher que se transformaria em sua esposa, em rainha, na mãe dos seus herdeiros?

Nada, não lhe diria nada. Dar-lhe-ia uma ordem, a primeira de muitas.

Respirou fundo e escreveu com rapidez. Duas frases livres fluíram sobre o ecrã.

Ficou a olhá-las por um momento, antes de os seus dedos procurarem o nome na barra de endereços. Aliyah…

Como podia ainda afectá-lo tanto, perturbar uma compostura que tinha achado imperturbável?

Deviam ser os ecos do fraquinho que um dia sentira por ela, os ecos de uma ilusão, algo tão irreal como tudo o resto que tinham partilhado.

Cerrou os dentes e enviou o e-mail.

 

 

Aliyah deixou cair o telefone da mão e este caiu-lhe sobre o regaço. Inclinou-se para a frente, tentando conter de novo o vómito.

Quase tinha esquecido essa tremenda sensação que costumava apoderar-se dela, que retorcia as suas emoções e reacções. Lutava há muito tempo, aguentando-se, e, de repente, sentia que perdia o controlo…

Deveria agarrar-se a algo. Desta vez, a tempestade não se gerava no interior de uma mente afectada pela química. Tinha razões de peso para justificar o seu estado emocional presente. Aquela não era uma reacção provocada pela ressaca dos medicamentos ou, pior ainda, provocada pela sua outrora instabilidade emocional. Apostaria cada centavo que tinha ganho, e tinha ganho imensos, que ninguém reagiria de outro modo se, depois de vinte e sete anos de turbulenta existência no planeta, se descobrisse que tudo o que tinha pensado saber da sua vida fora uma arrevesada mentira.