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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2001 Robyn Donald

© 2017 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Paixão impiedosa, n.º 2185 - janeiro 2017

Título original: A Ruthless Passion

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-9444-0

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Prólogo

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Se gostou deste livro…

Prólogo

 

Nick esperou no hall do hotel até que Glen e a senhora Courtald saíram da reunião com o advogado. Não gostava de se esconder, mas o que tinha para dizer a Cat era demasiado importante para se arriscar a ser interrompido, sobretudo pela sua mãe ou pelo seu noivo.

Enquanto batia à porta da suíte, reparou que tinha o pulso acelerado. E quando ouviu o «já vai» daquela voz baixa e sensual, sentiu-se excitado.

A porta abriu-se. Cat abriu muito os seus olhos azuis, um ligeiro rubor cobriu a sua deliciosa pele. Apertou com os dedos o véu que estava a experimentar: curto e de fantasia, como tinha de ser para uma noiva de dezoito anos.

– Ni… Nick – balbuciou ela. – Que surpresa.

– Posso entrar?

Cat hesitou. Depois recuou.

– Glen acaba de sair. Esteve aqui com a minha mãe.

– Não vim para falar com eles – disse ele, enquanto entrava na suíte que Glen reservara para a rapariga com quem se casaria no dia seguinte; no melhor hotel de Auckland, como seria de esperar para a noiva de um dos mais prestigiosos publicitários da Nova Zelândia.

A opulência impessoal da peça devia ter eclipsado uma mulher tão pequena, mas, apesar da sua juventude e fragilidade, Cat permanecia firme, com aquele véu absurdo sobre o seu cabelo ruivo e, embora Nick intuísse o contrário, parecia tranquila.

– O que queres? – perguntou com suavidade.

Nick tivera sonhos eróticos com aquele cabelo, com aquele corpo esbelto, aquela boca suculenta, ainda inocente apesar do compromisso com o seu amigo. Glen estava a ser muito cuidadoso com ela e dava a impressão de estar disposto a esperar até à noite de núpcias para consumar a sua relação.

Reprimiu uma ponta de ciúmes que o surpreendeu e irritou ao mesmo tempo e perguntou sem rodeios:

– Pensaste no que implica casares-te com Glen?

– Talvez só tenha dezoito anos – respondeu Cat com uma dignidade fria que lhe saiu tão desenquadrada como provocadora, – mas não sou estúpida. Sim, sei o que este casamento implica. Vejo televisão, leio jornais, revista e livros, vou ao cinema, falo com as pessoas… E os meus pais estiveram casados – acrescentou com um sarcasmo delicado.

Saberia que os dele não? Era possível. Talvez Glen lhe tivesse contado.

– Com que pessoas falaste? Com as colegas do dormitório onde acabaste o liceu no ano passado? O que é que elas sabem?

– Sabem tanto como qualquer rapariga que cresça nas ruas! Uma coisa é tu seres de um meio social diferente; outra é sermos afectados pelos mesmos problemas – replicou irritada. – La… lamento muito. Não pretendia…

– Não faz mal – interrompeu ele. – Sim, é verdade que cresci na rua, mas estou a falar-te de seres o prato de segunda mesa.

– Isso não é verdade! – exclamou Cat chateada. – Seria assim se estivesse a ocupar o lugar de uma antiga esposa. Glen não deixou nenhuma mulher por mim.

Nick conteve a sua primeira resposta, que ia ser desagradável. Não fazia sentido falar da tragédia de Morna. Além disso, tecnicamente, Cat tinha razão. Glen não tinha chegado a pedir a mulher que fora sua namorada durante os cinco anos anteriores em casamento.

– Glen quererá que giras a sua casa, que organizes jantares e festas, que conheças os seus clientes e sejas a anfitriã perfeita. Vais ser capaz?

– Posso tentar – respondeu Cat sem muita segurança. – A minha mãe ajudar-me-á.

– A tua mãe não está bem.

Fez uma careta. Até que ponto teria a encantadora senhora Courtald pressionado a sua filha?, perguntou-se. Não teria sido uma coisa descarada, mas depois de enviuvar e perder a pensão do marido, teria visto Glen como a resposta a todas as suas súplicas.

– Está… em recuperação – respondeu Cat finalmente. – E eu aprendo depressa – acrescentou num tom desafiante.

Estava decidida a ir até ao fim. Só lhe tinha acontecido uma vez até então, mas Nick sentiu como se um ataque de pânico ameaçasse descontrolá-lo.

– Porque é que te vais casar com ele, Cat? – perguntou com maldade quando se acalmou. – Se é por dinheiro…

– Não é nada por dinheiro! – replicou ela indignada, levantando o queixo. – Glen é um homem atraente, excitante, amável, atencioso e divertido…

– E tem mais vinte anos do que tu.

– E? – Cat levantou o queixo um pouco mais. – Eu gosto de homens mais velhos.

– Porque queres encontrar um substituto para o pai que acabas de perder – respondeu ele com crueldade. Estava a lidar mal com a situação, mas não sabia como reconduzi-la. – Mas Glen ainda não fez quarenta anos, não é uma figura paternal. Vai querer ir para a cama contigo, Cat…

– Não me chames assim!

– Porquê? És como uma gata – disse Nick, em alusão ao significado de Cat. – És doce e carinhosa quando tudo corre bem, mas também vejo a felina feroz que tens dentro de ti. Glen não vê… Ele acha que és dócil, obediente e brincalhona. É um homem viril, experiente. Já pensaste como será fazer amor com ele?

Cat ficou pálida. Fechou os olhos e respondeu zangada:

– Vou fazer os possíveis para ser uma boa esposa para ele.

– Apesar de me desejares? – respondeu Nick.

Cat baixou a cabeça.

– Não! – exclamou com ferocidade. – Eu amo Glen.

– Mas desejas-me – repetiu Nick ao mesmo tempo que pousava uma mão sob o queixo de Cat.

Ela não conseguiu evitar olhar para ele com uns olhos vorazes e desolados.

– Cancela o casamento – acrescentou ele, lutando para conter a paixão implacável que o instigava a pegar-lhe ao colo, levá-la para o quarto e reclamá-la para si na cama do modo mais primitivo e eficaz. – Cat, não te podes casar com Glen… Cancela o casamento. Eu ajudo-te. Será difícil, mas enfrentá-lo-emos – disse com voz firme, profunda e sensual, recorrendo a todas as suas manhas para a convencer.

E estava prestes a conseguir. Sentia a sua tensão, a sua vontade de se render… mas depois mudou de expressão e respondeu:

– E depois, Nick?

– Posso ajudar-te – repetiu ao mesmo tempo que descia a mão junto às suas costas. E soube, assim que o disse, que Cat não se conformaria com uma promessa tão vaga. O que o irritou, pois não podia oferecer-lhe mais nada. Talvez Glen estivesse disposto a aproveitar-se de uma rapariga recém-saída do liceu, mas ele sabia que Cat não estava preparado para se casar com ninguém… tal como ele não estava preparado para a paixão que consumia o seu corpo assim que lhe tocava.

Cat fechou os olhos. Quando os abriu novamente, os seus olhos azuis fulminaram-no com um olhar suave e gélido.

– Não sei o que se passa entre nós, mas não pode significar nada, porque não te conheço, só nos conhecemos há três dias. Porém conheço Glen e sei que, não só o amo, como o respeito. Nunca o faria passar por tamanha humilhação pública por uma coisa que não compreendo e na qual não confio – Cat olhou para ele directamente nos olhos. – Devias ter vergonha de sugerir isso, sendo o melhor amigo dele e seu protegido.

Incapaz de aguentar a frustração que o mantivera acordado nas três noites anteriores, Nick beijou-a de surpresa, até lhe fazer abrir a boca. Mergulhou na sua essência doce e feminina, narcótica, e embora tivesse tentado empurrá-lo, afastar a cabeça e desviar-se, deixou-se ir por aquele prazer perigoso e feroz.

Cat não resistiu. Depois de uns segundos iniciais em que estava tensa, acabou por ceder, encostando-se ao corpo de Nick, convidando-o a que continuasse a beijá-la.

Portanto aquilo era o paraíso, pensou ele com muita dificuldade.

Quando notou que ficava tensa e que tentava afastar-se, deixou-a fazê-lo. Só então ouviu alguém bater à porta.

Cat desviou o olhar envergonhada. Levou a mão à boca e esfregou-a com força para apagar o beijo.

– Vai-te embora – sussurrou. – Vai-te embora daqui já e nunca mais voltes. Não me casaria contigo nem que fosses o último homem na Terra.

Nick aproximou-se para lhe ajeitar o véu.

Espantosamente, manteve-se sereno, apesar de nunca na vida ter tido tanta vontade de partir tudo à sua volta.

– Não me recordo de ter sugerido que nos casássemos. Pensa neste beijo quando estiveres na cama com Glen – respondeu com agressividade.

Depois virou-se e foi-se embora sem sequer olhar para a empregada do hotel que esperava à porta.

Capítulo 1

 

Seis anos depois

 

Cat parou no cruzamento e ficou a olhar para o edifício do outro lado da rua. Na intimidade passageira de uma multidão, um homem captou o seu olhar.

– Impressiona, não é verdade? – comentou com jovialidade, para concentrar a sua atenção em seguida na cara delicada e redonda de Cat. – Já ganhou vários prémios na Nova Zelândia e mais uns quantos no estrangeiro. É de Nick Harding… um homem incrível. Começou como publicitário, tornou-se muito bom, recebeu prémios e rapidamente mudou para a informática e fundou o maior servidor de Internet da Nova Zelândia. Segundo a imprensa financeira, está a meio de um acordo que lhe vai render milhões. E tudo com trinta e poucos anos!

Trinta e dois, para ser exacto. Cat engoliu em seco e assentiu. O edifício resplandecia, era majestoso, nada parecido com os escritórios velhos do complexo industrial dos subúrbios de Auckland que acolhera o negócio de Nick inicialmente.

Em algum lado daquele edifício novo, talvez atrás de uma daquelas janelas, estaria à espera dela.

O coração pulsava-lhe com força, as palmas da mão suavam.

Sem contar com as suas fotografias nos jornais, há dois anos que não via Nick. Teria mudado? Acharia que ela tinha mudado?

– É turista? – interrogou o desconhecido.

– Não – limitou-se Cat a responder, demasiado tensa para ser amável.

– Ah – murmurou o homem, sentindo-se desprezado. – Então desejo-lhe um bom dia – acrescentou antes de se afastar e desaparecer com o orgulho ferido entre a multidão crescente.

Cat secou as palmas das mãos com um lenço. Olhou para o relógio e viu que ainda tinha cinco minutos.

No mês do seu casamento com Glen, Nick renunciara ao seu trabalho na agência de publicidade daquele, recusando tudo o que o seu amigo fizera por ele.

– Como é que se pode ser tão ingrato! – resmungara Glen. – Tirei-o da rua, dei-lhe a melhor educação da Nova Zelândia e depois mandei-o para o estrangeiro para a universidade, transformei-o no que é… Tratei-o como se fosse um maldito príncipe… e agora trai-me!

Para ela era impossível imaginar Nick; alto, bonito e elegante, vestido sempre com roupas caras, a viver na rua. Mas toda a gente sabia da história. Sentindo-se ainda culpada pela forma como reagira ao beijo de Nick, Cat respondera:

– Como é que o conheceste se vivia na rua?

– Bom, também não vivia na rua exactamente. Estava num barracão com uma rapariga – respondera Glen, encolhendo os ombros. – Um dia abordou-me ao sair da agência e pediu-me emprego. Quando lhe perguntei porque é que havia de lhe dar emprego, disse-me que sabia que eu era o melhor e que tinha intenção de ser melhor do que eu um dia. Só tinha catorze anos, mas reparei que falava a sério. Gostei disso, portanto mandei-o para o meu antigo liceu.

Cat, que sabia por experiência o quanto podiam ser cruéis os adolescentes de um colégio interno caro, perguntou:

– Como se deu lá?

– Com estilo e esperteza – respondeu Glen indiferente. – Em menos de uma semana tinha todos a comer na sua mão. Sempre teve uma confiança transbordante nas suas possibilidades e bastaram-me dez minutos para perceber que era brilhante. Trabalhou com esforço e graduou-se com honras. Também não demorou para se destacar na universidade. E agora vai deitar tudo a perder por causa de um projecto estúpido de Internet. Vai fracassar e vai afundar-se com a sua empresa.

Mas não se afundara. Nick fazia ouvidos moucos aos boatos, às advertências de Glen, e tinha demonstrado que, graças ao seu esforço e à sua inteligência, era capaz de triunfar sozinho. E assim, passados uns anos, tornara-se multimilionário.

O seu negócio no sector das telecomunicações expandia-se vertiginosamente e, tal como escrevera um jornalista não há muito tempo, parecia disposto a conquistar o mundo.

Glen reconhecera o seu sucesso e acabara por o readmitir de braços abertos. Poucos meses depois Glen morreu num acidente de viação.

Só então Cat descobrira que Glen encarregara Nick de se ocupar do seguro de vida no qual ela figurava como beneficiária. Aturdida ainda pela morte do seu marido, que se juntara à da sua mãe, que havia falecido apenas um mês antes, sentira um grande alívio ao ver que Nick a tratava com uma cortesia distante. Embora a sua memória impertinente se empenhasse em recordar-lhe aqueles instantes fogosos depois do enterro, quando o que tinha começado como um abraço reconfortante acabara por despoletar uma paixão desesperada.

Aquele beijo ardente fizera-a fugir para o estrangeiro e, depois disso, só estivera em contacto com Nick através da sua assistente.

Quando o semáforo ficou verde para os peões, Cat cerrou os dentes e atravessou a estrada. Embora não estivesse preparada, chegara a hora de enfrentar Nick Harding. Usava um vestido de seda fora de moda, engoliu em seco e tentou acalmar-se, mas não conseguiu fazer nada para evitar o aperto que sentia no estômago, que se tornou mais intenso quando entrou no majestoso hall do edifício.

Tensa, Cat apresentou-se à recepcionista, que, depois de olhar com discrição para a sua aliança de casada, respondeu:

– O senhor Harding está à sua espera, senhora Courtald. Vá de elevador até ao quarto andar, lá será recebida pela sua assistente pessoal.

A assistente pessoal era uma mulher de aspecto intimidante. Tal como a recepcionista lhe dissera, já estava junto ao elevador quando Cat chegou ao andar indicado.

– O senhor Harding vai recebê-la em seguida – disse a mulher, enquanto a acompanhava até uma sala de espera. – Posso oferecer-lhe uma chávena de café enquanto espera?

– Não, obrigada – recusou Cat.

O café era cultivado nas colinas de Romit, uma ilha grande a norte da Austrália, um café delicioso e aromático, mas que Cat não podia beber sem recordar um país destruído por uma guerra civil sangrenta que fizera milhares de mortos.

Embora Juana continuasse com vida e fosse por ela que tinha ido ali.

– Sente-se – disse a assistente pessoal. – O senhor Harding não vai demorar – repetiu.

Cat sentou-se numa cadeira, agarrou uma revista e folheou-a sem registar uma só palavra. Nick era o seu último recurso. Os bancos tinham-na rejeitado várias vezes, negando-se a conceder-lhe o empréstimo que solicitava com tanta solenidade como diplomacia… e insultante velocidade.

Sentiu um movimento que a arrepiou. Levantou a cabeça.

Como uma pantera, sigiloso e intimidante, cheio de elegância, Nick entrou na sala de espera e observou-a sem pestanejar com aqueles olhos deslumbrantes. Olhou depois para o dedo onde colocara, impulsionada por uma necessidade de se sentir protegida, a aliança de casada pela primeira vez desde que a tirara há um ano.

Impelida pela necessidade de estabelecer um certo equilíbrio físico, Cat levantou-se. Durante um segundo, achou que o chão se movia debaixo dos seus pés. Nick segurou-a precisamente quando ela se agarrava às costas da cadeira para se manter de pé.

– Cuidado – disse ele, agarrando-a com força no antebraço.

Cat ficou gelada.

Os olhos de Nick iluminaram-se. Mas aquele brilho durou apenas um instante. A seguir, sorriu.

Céus!, pensou Cat alarmada. Tinha a lembrança de Nick gravada no cérebro, selada a fogo no coração. Nunca esquecera a sua voz: aquela voz profunda, quente que, no entanto, podia ser gélida se Nick quisesse. Uma voz que a perturbara em sonhos, atormentando-a durante noites intermináveis.

– Olá, Cat… – cumprimentou ele com uma frieza educada.

Não tinha mudado muito. De qualquer modo, estava ainda mais atraente. Com aqueles ombros largos, a sua cintura estreita, as suas pernas compridas, aquele corpo viril que irradiava poder e autoridade… Definitivamente, a presença de Nick Harding continuava a dominar o espaço onde entrava, absorvendo tudo, até o ar, o que a obrigava a respirar de forma entrecortada, enquanto o coração ecoava nos seus ouvidos.

E continuava a olhar para ela com desprezo.

Cat resistiu à sensação de um ataque de pânico fugaz. Quantas vezes ao longo daqueles dois anos sonhara encontrar-se com Nick novamente? Quantas vezes a imaginara com todo o tipo de pormenores durante aqueles segundos entorpecidos entre o sono e a vigília, quando as suas defesas estavam em baixo?

Centenas.

E quando finalmente acontecia, não conseguia pensar em fazer nada, excepto responder com a mesma intensidade entristecedora.

Tudo continuava igual.

– Olá, Nick… – cumprimentou num fio de voz, consciente de que a sua assistente pessoal os estava a observar.

– Entra – respondeu ele antes de se desviar para um lado para que pudesse entrar no seu escritório. – Phil, por favor, não quero interrupções.

Entrou no escritório e olhou à volta. A divisão, organizada com uma precisão estrita, proclamava em silêncio o sucesso de Nick: uma mesa enorme, um computador último modelo, uma colecção de livros imensa e uns bancos pretos, aparentemente confortáveis, junto a uma mesa baixa. As janelas que iam desde o chão até ao tecto davam para o porto de Auckland.

– Bonita vista – comentou Cat para quebrar o silêncio.

– Fico contente por gostares – repôs ele com uma cortesia sarcástica.

Aborrecida consigo própria por lhe ter dado oportunidade de ser mordaz, Cat desviou o olhar para um quadro. Não se tratava do típico objecto de decoração impessoal, era um óleo original de uma mulher nua que estava de costas para o artista. Do seu rosto só se conseguia ver a curva de uma face. Fora pintado por um génio que lhe concedera aquela pose simples de um mistério obscuro e ameaçador.

Tinha de ser pura coincidência o facto de o cabelo da modelo do quadro ter o mesmo tom ruivo que o dela.

Também ela o usara daquele comprimento há um tempo atrás, mas cortara-o.

Nick olhava para ela com uma expressão impenetrável.

– Estás linda. Como sempre – comentou ao mesmo tempo que franzia a testa. – Esse vestido de seda azul combina na perfeição com os teus olhos.

Apesar de o seu vestuário não ser muito vasto, Cat demorara uma hora a escolher o vestido. Tentou controlar a mistura violenta de emoções que a assaltava antes de responder:

– E tu continuas a ser tão subtil como sempre. Como estás?

– Encantado por te ver.

– Nem tu acreditas nisso – respondeu Cat irritada.

Satisfê-la apreciar que tinha desconcertado Nick, mas o contra-ataque dele foi tão ágil como brutal:

– E tu? Desfrutaste da tradicional terapia de viuvez? – perguntou, e Cat olhou para ele, confusa. – Embora imaginasse que a maioria das viúvas achasse um pouco excessivo tirar dois anos para viajar por todo o mundo – acrescentou com um sorriso insolente.

– O quê? – perguntou Cat indignada.

– Esse vestido não o compraste em Auckland, pois não? – perguntou ele após examinar o corpo de Cat de cima a baixo.

– Não… – reconheceu esta. Glen comprara-o em Paris. Mas antes de responder, Nick adiantou-se a ela.

– Quando voltaste para a Nova Zelândia?

– Em Fevereiro.

– O que estiveste a fazer desde então? – inquiriu ele, surpreendido.

– A terminar o meu curso de contabilidade.

– A sério? – interrogou Nick num tom brincalhão. – Devo felicitar uma recém-licenciada?

– Se passar nos exames finais.

– De certeza que vais passar. Quem poria a tua inteligência em dúvida? – respondeu ele com um insulto disfarçado nas suas palavras. – Senta-te, Cat.

Esta obedeceu e Nick contornou a enorme mesa de trabalho para se sentar.

– Acho estranho que tenhas escolhido ser contabilista – prosseguiu ele antes de acrescentar com insolência. – Ou talvez nem tanto.

– Eu gosto de números – disse Cat. – Ajudam a saber em que ponto nos encontramos.

– Exacto. São muito mais orientadores que as intrometidas emoções – murmurou Nick. – E dar-te-ão imenso jeito para saberes como estão as tuas finanças.

A insinuação de que os videiros precisavam de conhecimentos de contabilidade fê-la levantar o queixo. Obrigou-se a disfarçar que a magoara e desejou ser vinte centímetros mais alta… como a sua assistente pessoal. A estatura impressionava as pessoas que pensavam que as mulheres baixinhas e magras eram muito femininas e, portanto, estúpidas e ambiciosas.

– Exactamente.

– Bom e ao que devo a honra desta visita? – perguntou Nick num tom indiferente.

Não havia uma maneira fácil de dizer, portanto optou por dizer logo, sem rodeios:

– Preciso de dinheiro.