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HarperCollins 200 anos. Desde 1817.

 

Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2006 Kim Lawrence

© 2017 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Casamento por amor, n.º 2266 - março 2017

Título original: The Spaniard’s Pregnancy Proposal

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2007

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-9584-3

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Se gostou deste livro…

Capítulo 1

 

Fleur Stewart acordou e, depois de alguns minutos deitada a ouvir o canto dos pássaros, obrigou-se a abrir os olhos. Bocejando, deu uma olhadela ao relógio da mesa-de-cabeceira. Eram oito e meia.

Era, além disso, o dia do seu aniversário. Tinha vinte e cinco anos, um quarto de século. Resistiu à tentação de se perguntar o que fizera naqueles vinte e cinco anos de vida, pois isso levá-la-ia a perguntar-se o que ia fazer nos próximos vinte e cinco.

E não sabia.

Não tinha nenhum plano. Simplesmente, deixava-se levar. Porque a vida, pensou enquanto puxava o edredão para cima e se aninhava por baixo, quase nunca corria como se esperava.

A única coisa que desejara fazer fora representar. O sonho nascera no dia em que os seus pais a tinham levado a ver uma peça infantil no West End, quando tinha oito anos. E morrera antes de acabar o segundo semestre na escola de artes dramáticas. Para ser mais exacta, o dia em que se aborrecera durante uma audição que toda a gente achava que seria dela, mas na qual se tinham apercebido de que a única coisa que havia entre ela e uma fulgurante carreira como actriz era uma absoluta falta de talento.

No dia seguinte, e ainda num estado de autocompaixão e abatimento, conhecera Adam Moore, um estudante de direito, no último ano do curso. O bonito Adam mostrara-se muito compreensivo com ela quando lhe contara, depois do segundo copo de vinho, todas as suas dúvidas. Como uma alma gémea, compreendera imediatamente a sua aflição: para quê continuar na escola de artes dramáticas se só poderia ser medíocre?

Algo muito mais amável do que «precisas de ganhar experiência» como lhe tinham dito os seus amigos, que não tinham levado a sua crise de confiança a sério.

Adam dissera-lhe que uma rapariga inteligente podia fazer muito mais do que representar, e ela, lisonjeada, acreditara. Ou, pelo menos, convencera-se de que acreditara. Embora, no fundo, Fleur sempre soubera que estava a escolher o caminho mais fácil.

Três meses mais tarde, Adam e ela tinham ficado noivos, e ela era feliz a servir às mesas. E, se em algum momento, parava para se perguntar o que estava a fazer ou se era realmente feliz, recordava a si própria que o que fazia era apenas uma questão temporária. Além disso, as gorjetas eram muito boas, o que fora muito bom para Adam, pois assim pudera concentrar-se em acabar os seus estudos sem ter de se preocupar com pormenores como pagar a renda.

Relembrar agora a dolorosa ingenuidade daquela jovem Fleur só servia para se desprezar, por isso tentou não pensar no passado. Tentou viver o presente.

Um presente surpreendentemente bom.

Depois de quatro anos, Adam já não existia, tal como a sua carreira nos palcos, mas, felizmente, também já não servia às mesas.

Adorava o seu trabalho como professora de artes dramáticas numa escola secundária local. Os seus colegas eram boas pessoas, tratava-se de um trabalho que exigia esforço pessoal e adorava a sensação de estar rodeada de gente jovem e, na sua maioria, entusiasta. Se algum dos seus alunos se sentia tentado a desistir, Fleur dizia-lhe que, talvez, não tivesse tudo o que se requeria, mas nunca saberia se não mostrasse um pouco de arrojo nos momentos difíceis.

O melhor do seu trabalho era que ninguém conhecia o seu passado recente, por isso não tinha de aguentar os olhares de compaixão nem os comentários como «Admiro-te, foste muito corajosa ao seguir assim com a tua vida.»

Mas, por muito que desfrutasse com o seu trabalho, era maravilhoso chegar ao sábado e poder aninhar-se mais um pouco sob o edredão. Naquele sábado, aniversário ou não, o momento não foi muito longo. O sol de fim de Agosto, que brilhava através das cortinas finas do quarto, era demasiado tentador. Fazia-a pensar em amoras, em passear o cão que a sua amiga Jane adoptara no canil e lhe oferecera há um mês, e nas centenas de coisas que tinha para fazer no jardim.

Para uma rapariga da cidade, adaptara-se bastante bem à vida rural.

Fleur ainda estava em pijama quando o telefone tocou. Largou um postal de parabéns por abrir e, depois de dar um gole no café acabado de fazer, aproximou-se, descalça, para atender.

– Feliz aniversário! – sorriu ao ouvir a voz de Jane.

Jane era uma fotógrafa de moda, com o cabelo acobreado, a língua afiada e um entusiasmo contagiante pela vida.

Às vezes, Fleur desejava ter metade da energia que Jane tinha. Fora ela quem a encorajara a mudar-se de Londres depois do aborto e depois de descobrir a infidelidade de Adam, e também fora Jane quem lhe dissera para aceitar o trabalho de professora, quando o tinham visto no jornal.

– Recebeste o meu postal?

– Estava prestes a abri-lo.

– Eu gostava de estar aí contigo. Mas, para a próxima semana, vamos para aí. Tira os teus sapatos mais sexys. Tenho planos.

Fleur fez uma careta. Tinha a suspeita terrível de que os planos da sua amiga consistiam em arranjar-lhe um monte de membros do sexo oposto. O problema de Jane era que ela achava que era subtil. Mas era o contrário!

– Por aqui, não se precisa muito desse tipo de sapatos.

– Pareces-me um pouco triste – disse Jane com tom azedo. – Há sempre lugar no armário de uma rapariga para uns sapatos sexys. Zanga-me pensar que andas a desperdiçar essas pernas – suspirou com inveja. – Olha para mim! Tenho as pernas de um Corgi galês, mas, por acaso, fico a chorar em casa num sábado à noite? Não, eu…

– Está bem, já percebi a mensagem! – protestou Fleur. – Farei o esforço.

– Tens planos para esta noite?

Fleur sabia que, se admitisse que o seu único plano era ficar a ver televisão, a sua amiga dar-lhe-ia uma reprimenda sobre a necessidade de sair, por isso decidiu ser criativa.

– Vou beber qualquer coisa com uns amigos do trabalho – disse, embora no trabalho nem sequer soubessem que era o seu aniversário. Desde a sua chegada, ganhara a fama de reservada.

– Isso é bom! Como está o nosso cão?

– O nosso cão anda a comer os meus móveis todos. Não há uma única cadeira que não tenha marcas de dentes. Não fazes ideia de quão feliz me faz pensares que eu precisava de companhia.

Seguiu-se uma longa pausa ao seu comentário mordaz.

– Era uma brincadeira… – continuou Fleur. Não era característico de Jane não responder a um comentário sarcástico. – Adoro este animal!

– Não é que me pareça que não tenhas ultrapassado. Ultrapassaste. Ultrapassaste, não foi?

– Pressuponho que te referes a Adam – disse Fleur, depois do monólogo desconexo da sua amiga. – Sinto-me insultada que perguntes, mas, sim, já ultrapassei completamente.

– Paula está grávida – disse Jane. – Adam e ela vão ter um bebé. Lamento, Fleur – disse Jane com tom culpado, – não sabia se havia de to dizer.

Fleur inspirou profundamente enquanto levava uma mão ao estômago.

«Um bebé…!»

Inspirou novamente, consciente de que a sua reacção, perante a notícia de que o seu ex-noivo e a sua nova esposa iam ser pais, era irracional. Mas reconhecê-lo não afastava a sensação que tinha, parecia-lhe que era uma traição ainda maior do que a infidelidade.

– Não, fico contente que o tenhas feito, Jane – disse Fleur, tentando parecer segura de si mesma.

– Pensei que Adam to tivesse contado…

– Não falo com ele há meses – disse Fleur. Não voltara a falar com ele desde que se casara com a mulher com que, agora, sabia que andara a ir para a cama enquanto ela estava no hospital.

Uma reacção perfeitamente normal, proclamara com tom beligerante, para um homem que se vira obrigado a ter de enfrentar a paternidade. A acusação, apesar de ser falsa, de que ela tivesse decidido apanhá-lo ficando grávida, doera-lhe e enfurecera-a profundamente naquela altura. E, mesmo assim, por alguma razão, albergara a ideia absurda de que o seu ex não era um canalha!

Como podia ter sido tão idiota?

– Aquele ordinário! – praguejou Jane, com má intenção. – São iguais.

– Pressuponho que Adam tem o direito de viver.

Com um suspiro, Fleur afastou o cabelo da cara enquanto se perguntava se estaria com ciúmes, embora não de Adam e Paula. Há muito tempo que reconhecera que os seus sentimentos por Adam não poderiam definir-se como amor, não daquele que dura. Mas talvez fossem ciúmes daquilo que tinham… e que ela nunca teria. Não era dos homens que desconfiava, mas do seu próprio julgamento.

– Depois do que te fez! A única vida que aquele ordinário tem o direito de viver é uma vida cheia de sofrimento e dor! – gritou Jane, que não concordava muito com dar a outra face.

Afastando o auscultador da orelha, Fleur ouviu o que Jane acrescentava, não sem amargura:

– Aquele homem meteu-se na cama, na tua cama, com aquela mulher enquanto tu estavas no hospital… desculpa, Fleur – acrescentou ao dizê-lo, aparentemente arrependida. – Eu e a minha boca enorme… não era minha intenção abrir feridas antigas.

Fleur apoiou-se na pequena mesa e brincou com o primeiro botão do pijama.

– Não te preocupes, Jane. Um dia, acabaria por descobrir – disse, pensando que algumas feridas nunca se curavam. E aquela em questão não era assim tão antiga.

Às vezes, parecia-lhe que passara uma vida inteira e, outras, parecia-lhe que fora no dia anterior, mas, na realidade, já tinham passado dezoito meses desde que a tinham levado para as Urgências a meio de uma gravidez complicada.

Jane, que estivera no hospital com ela, tentara, desesperadamente, contactar com Adam, enquanto o médico dizia a Fleur, com toda a seriedade, que lamentava imenso, mas que não conseguia sentir o batimento cardíaco do bebé.

– Preocupo-me, sim. Acabaram por minha culpa…

– Porque os apanhaste na cama?

Ao não encontrá-lo, Jane oferecera-se para ir a sua casa, para ir buscar-lhe roupa e mais algumas coisas, mas encontrara muito mais.

– Não sejas estúpida, Jane! Como poderia ser culpa tua? – continuou Fleur.

– Dizem que a tragédia pessoal aproxima mais as pessoas… – pela sua voz, Fleur imaginava a expressão de culpa no rosto de Jane. – Se eu só…

– Se fôssemos assim tão unidos, duvido muito que o tivesses encontrado na cama com outra – interrompeu-a Fleur. – A sua aventura com Paula começou semanas depois de nos mudarmos para o apartamento – e isso não é culpa minha, disse para si com firmeza. – Tu e eu sabemos que a ruptura era inevitável. Se não tivesse ficado grávida, acho que teria acontecido antes – admitiu.

Quando descobrira que estava à espera de um bebé, Fleur afastara as crescentes dúvidas sobre a sua relação. Tinha de fazer com que resultasse por causa do bebé. Um bebé precisava dos seus dois pais.

– Não pensava contar-te, na realidade, não depois do que tinhas sofrido. Ia esperar até estares melhor, mas então ele apareceu no hospital com as estúpidas das flores e o seu ar de preocupado. Tão presunçoso e falso como sempre, e, ainda por cima, teve a desfaçatez de agir como se nada tivesse acontecido. Estava furiosa, não consegui evitá-lo.

– Fico contente que o tenhas feito – disse Fleur. Claro que, naquele momento, o que sentira não fora gratidão. Mas depois, agradecera sinceramente a saída de emergência que o comportamento de Jane lhe proporcionara.

Não voltaria a deixar que um homem lhe fizesse o que Adam lhe fizera.

Fleur considerou o que faria àquele que tentasse conquistar o seu coração. Já não era uma romântica empedernida. As suas defesas eram absolutamente inexpugnáveis.

 

 

Tinha talento, era rico e bonito. Se tivesse de explicar o segredo do seu sucesso, Antonio Rochas diria que não havia nenhuma fórmula mágica, simplesmente não se contentava com menos do que excelente.

Na semana anterior, o seu rosto saíra na capa de três publicações de economia internacionais. Só a sua reputação bastava para pôr em marcha todo o tipo de entendimentos.

A sua reputação era unânime entre todas as mulheres.

Antonio fora pai há uma semana. E, certamente, não estava a ser um pai excelente!

Se os seus colegas se perguntavam pela causa do mau humor fora do comum mostrado pelo seu carismático e habitualmente equânime chefe na última semana, não o demonstravam em voz alta.

Huw Grant, um importante advogado criminalista e um dos melhores amigos de Antonio, não se mostrou tão comedido.

– Não pareces um homem que acabou de ganhar… eles é que deveriam ter esse aspecto abatido – observou Huw, contemplando, da intimidade do escritório no último andar, o trio de figuras vestidas de fato escuro que saíam do edifício Rochas. – Os coitados chegaram a acreditar que poderiam aproveitar-se de ti, Antonio…

O que era sempre um erro fatal, pensou o homem, observando as linhas duras do rosto magro do seu amigo. Pensou, e não era a primeira vez, que era imensamente melhor ser seu amigo do que seu inimigo.

Antonio, sentado e com aspecto reflexivo, encolheu os ombros e sacudiu um pelo invisível do seu casaco impecável.

– Não tinham feito os trabalhos de casa – observou despeitadamente.

– Mas tu tinhas…?

As linhas de expressão que se formavam de ambos os lados dos olhos azul eléctrico de Antonio tornaram-se mais profundas enquanto levantava as longas pestanas pretas, deixando à vista o vertiginoso ângulo formado pelas suas proeminentes maçãs do rosto.

– Eu faço sempre os meus trabalhos de casa, Huw.

Como fizera recentemente com Charles Finch. Mas claro, quando um homem entrava no nosso escritório e nos anunciava, com toda a calma do mundo, que éramos o pai biológico da sua filha de treze anos, ocorriam-nos imensas perguntas que precisavam de resposta. Agora tinha a resposta para muitas delas, entre outras, os resultados dos testes de ADN.

Segundo a informação que recebera no seu escritório, a única coisa que Charles Finch e a sua falecida esposa tinham tido em comum fora um ódio mútuo e o facto de terem passado mais tempo na cama do que os casais normais.

Os motivos de Miranda para continuar com um casamento que não passava de uma farsa, tinham sido óbvios. Como Antonio bem sabia, fora uma mulher de gostos caros e grandes aspirações sociais.

Os motivos de Charles Finch eram menos óbvios. Mas porque é que as pessoas não acabavam com os casamentos que não resultavam, casamentos que pareciam perfeitos, embora, na realidade, fossem uma luta aberta, em vez de uma demonstração de apoio e amor?

Seria, então, de pressupor que aquele casamento fracassado teria proporcionado àquele homem algo de que precisava, embora Antonio não imaginasse o que poderia ser.

Huw afastou-se da janela e observou-o.

– E, desta vez, os teus trabalhos de casa traduziram-se num lucro no valor de vinte milhões. E sendo desumano como o diabo e sem escrúpulos.

Os olhos azuis de Antonio brilharam, divertidos, uns olhos ainda mais assombrosos em contraste com o tom bronzeado tipicamente mediterrânico da sua pele.

– Achas que represento a cara feia do capitalismo?

– Não é feia – respondeu o outro homem com ironia.

Embora, nas palavras da mulher de Huw, não fossem os traços perfeitos e o corpo magro e atlético de Antonio o que atraía irremediavelmente as mulheres, mas a aura de sensualidade natural que emanava de cada um dos seus poros.

Claro que lhe assegurara que não a afectava absolutamente.

– Mas deviam pendurar-te um aviso de perigo público. Porque, vamos lá ver, quando foi a última vez que alguém levou a sua avante frente a ti, em termos económicos? Sim, eu sei que não é o dinheiro em si o que te move – admitiu. – Mas não podes negar que te diverte ganhar.

– E não se passa o mesmo com toda a gente? – perguntou Antonio, arqueando os sobrolhos.

– Bom, agora não pareces divertido – disse-lhe o seu amigo, francamente.

– Digamos que tenho outras coisas na cabeça… – Antonio parou de remexer entre um monte de documentos e olhou para o seu amigo com atenção, abanando, finalmente, a cabeça. – Não importa.

– Claro que importa – disse Huw, cuja curiosidade parecia aumentar conforme via o comportamento fora do comum de Antonio. – Tens estado a semana toda a comportar-te de uma forma estranha.

Antonio recostou-se e esticou as pernas compridas, enquanto apoiava o queixo nos dedos magros.

– Conheces Finch…?

– O escritório de advogados Finch? Finch de Finch, Abbott e Ingham?

Antonio assentiu.

– Um tipo frio. Tem uma mulher muito elegante, segundo me lembro.

– A mulher elegante morreu – disse Antonio. – De cancro, conforme me disse o seu marido.

Miranda estava morta. A ideia parecia-lhe impossível.

Na sua cabeça, estava muito viva. A imagem que tinha dela pertencia ao Verão em que se tinham conhecido e se apaixonara loucamente por ela. Via-a rir-se, inclinando a cabeça para trás e deixando à vista o seu belo pescoço. Ria-se muito, especialmente quando lhe dissera que a amava e que queria cuidar dela.

– Que rapaz tão doce! – exclamara ela quando se apercebera, finalmente, de que falava a sério. – Ouve, divertimo-nos muito juntos, mas é só isso. Não estragues tudo comportando-te como um estúpido.

Depois da sua insistência, Miranda mostrara-se violenta com ele.

– Sejamos sérios! O que poderia querer uma mulher como eu com um empregado pobre como tu? Quando me casar, não o farei com alguém que seja bom na cama, e, querido, tu és muito bom! Posso ter sexo com quem quiser. Quando me casar, fá-lo-ei com um homem que possa dar-me a vida que mereço.

Incapaz de interpretar o tom de voz do seu amigo, Huw franziu o sobrolho.

– Pois, é uma pena! Só o vi uma ou duas vezes por aqui, como tu. O que tem isso a ver com esse tipo?

– Veio falar comigo no mês passado. Parece que a filha dele não é…

– Não é o quê? – perguntou Huw, cada vez mais confuso.

– Dele. É minha.

Capítulo 2

 

Antonio quase sorriu ao ver a cara de Huw, aumentando a sua parecença com um spaniel muito surpreendido. Uma parecença que escondia o intelecto perspicaz do advogado criminalista que inspirara uma falsa sensação de segurança a muitos adversários.

– Tua…?

Antonio acariciou, com o seu dedo longo e escuro, a lombada de um livro que tinha sobre a secretária.

– Assim parece. Tenho uma filha de treze anos que acha que sou um monstro. Diz a toda a gente que quiser ouvi-la que vou raptá-la.

– Raptá-la…?

– Finch disse-lhe que está a enfrentar uma dura batalha legal para a recuperar.

– Para a recuperar! – exclamou Huw. – Que batalha legal? Quer dizer que a menina está contigo? Achas que é uma boa ideia?

Antonio apertou o queixo enquanto observava, taciturno, o seu amigo.

– Não tive muito tempo para considerar as opções.

– A que te referes?

– Depois de me dar a notícia, Finch explicou-me que Tamara estava no carro com uma mochila. Enviar-me-iam o resto das suas coisas no dia seguinte. Deixou-me muito claro, e em privado, que não quer saber nada dela.

– Nada…? – Huw parecia ter dificuldade em aceitar a ideia.

Um nervo tremeu no queixo firme de Antonio e as suas pestanas desceram, escondendo o brilho de raiva que iluminava os seus olhos azuis.

– Não quer voltar a vê-la.

– Descarado!

Antonio não podia estar em desacordo com aquela afirmação de surpresa.

– Um descarado que sabe representar – disse Antonio, levantando-se e empurrando a poltrona para trás.

O seu amigo viu-o atravessar a sala em direcção à janela e perguntou-se, com certa inveja, o que se sentiria ao se conseguir dominar, com a simples presença e sem qualquer esforço, a sala onde se estava.

– Foi uma verdadeira representação – continuou Antonio, olhando para a rua. – Finch mostrou-se um pai desconsolado. Aparentemente, a lei está do meu lado…

– Isso é discutível.

– E parece que acordei uma manhã e decidi arrancar a menina, que, aparentemente, rejeitei quando era um bebé, do conforto do seu lar.

– Isso é o que a menina acha? Não me admira que diga às pessoas que a raptaste. Aquele homem é…

– Basta dizer que Finch não tem um carácter afável e carinhoso. Acho que deve ter sido um daqueles meninos que gostava de arrancar as asas às borboletas.

– Tendências sociopatas – disse Huw com tom versado.

– Se tu o dizes – Antonio não estava muito interessado nos rótulos. – Gosta de ver as pessoas sofrerem.