desj419.jpg

 

Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2001 Amy J. Fetzer

© 2018 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

A bela e o monstro, n.º 419 - agosto 2018

Título original: Taming the Beast

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Harlequin Desejo e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-9188-781-2

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Créditos

Sumário

Capítulo Um

Capítulo Dois

Capítulo Três

Capítulo Quatro

Capítulo Cinco

Capítulo Seis

Capítulo Sete

Capítulo Oito

Capítulo Nove

Capítulo Dez

Capítulo Onze

Capítulo Doze

Epílogo

Se gostou deste livro…

Capítulo Um

 

 

 

 

 

Laura Cambridge ergueu o olhar para o castelo de pedras cinzentas e imaginou o que encontraria lá dentro. O príncipe encantado ou o dragão?

O dragão, provavelmente, imaginou, se os boatos que ouvira do pessoal da cidade, na viagem de barco até àquela linda ilha, fossem verdadeiros. «Será que Richard Blackthorne sabe como é temido?», perguntou-se, a observar as pedras enormes e as janelas em arco, enquanto o táxi entrava no caminho que conduzia à entrada. A enorme estrutura tinha até ameias, além de uma torre.

Laura via solidão por toda a parte.

– Senhora – disse o motorista, ao parar em frente à casa enorme. – Tem a certeza que é para este lugar que quer vir?

Porque é que todos na ilha perguntavam a mesma coisa, como se fosse para a forca? Blackthorne era apenas um homem, nada mais.

– Sim, tenho a certeza, senhor Pinkney – respondeu, sem olhar para o motorista de meia-idade.

– O senhor Blackthorne não é um homem simpático, como deve saber.

– Não é de admirar, já que todos agem como se ele fosse capaz de morder, não acha? – desta vez, olhou-o directamente, com as sobrancelhas arqueadas.

O homem corou e olhou novamente para a casa.

– Os boatos devem ter algum fundamento – resmungou, e saiu do carro para tirar a bagagem de Laura do porta-malas.

Ela também saiu e acompanhou-o, subindo os degraus da entrada.

Como uma serva do rei, fora contratada para ajudar a filha de quatro anos de Richard Blackthorne a habituar-se a viver ali. A morar com um homem recluso, que vivia trancado num castelo, longe de qualquer contacto humano. Pelos vistos, teria um bocado de trabalho, porque, de acordo com os boatos, ninguém pusera os pés naquela casa, além dos entregadores, nos últimos quatro anos. Sentiu pena da menina, que acabara de perder a mãe e fora afastada do pai. Ela estava ali para conhecer o local, antes da menina chegar.

O senhor Pinkney colocou as malas no chão. Ao virar-se para lhe pagar, Laura percebeu que escrevia qualquer coisa num pedaço de papel. Assim que lhe entregou o dinheiro, o homem estendeu-lhe o papel.

– Aqui está o meu número de telefone. Se precisar de alguma coisa, é só chamar.

O gesto deixou-a comovida, mas não era necessário.

– Ele não é um monstro, senhor Pinkney.

– É, sim. Grita com qualquer pessoa que puser os pés nas terras dele, e quase fez picadinho do pobre rapaz que entrega as compras da mercearia. Detesto pensar no que pode fazer-lhe, menina – e quando Laura o olhou com firmeza, olhou novamente para o castelo e suspirou. – Esta casa foi construída há muitos anos atrás, por um homem que a ergueu para a noiva. Ela queria viver como uma princesa, e ele procurou realizar-lhe esse desejo. Trouxe cada pedra do continente, e muitas coisas vieram de Inglaterra ou da Irlanda, pelo que ouvi dizer. Ela morreu antes que a casa estivesse terminada e que o homem tivesse oportunidade de casar com ela.

«Que história triste!», pensou Laura, mas ergueu o queixo.

– Está a agir como se a casa fosse assombrada ou amaldiçoada.

O senhor Pinkney não disse nada; continuou a olhar para as pesadas portas duplas de madeira, como se fossem a entrada de uma caverna. «Que tolice!», pensou Laura, e levantou a aldrava de bronze para bater à porta. Era a cabeça de um dragão. Bem, se o senhor Blackthorne queria manter as pessoas longe dali, fizera um bom trabalho. Bateu e esperou.

Imediatamente, uma voz soou no interfone à direita da porta:

– Entre.

A voz era profunda, um bocado rouca e, sem querer, Laura estremeceu, invadida por um sentimento de apreensão.

– Compreende agora o que eu disse? – perguntou Pinkney.

– Tolice! – retorquiu ela, com firmeza, e abriu a porta para entrar. Um pequeno candeeiro, colocado sobre uma linda mesa de madeira entalhada, iluminava parcialmente o hall. Laura colocou a mala de mão no chão e virou-se, a tempo de ver que o senhor Pinkney empurrava apressadamente as malas para dentro e recuava para os degraus. No entanto, esse gesto não o impediu de dar uma boa olhadela à casa, concluiu. Procurou o interruptor e, de imediato, o local ficou completamente iluminado. O homem encolheu-se e recuou ainda mais.

– Ligue-me, se precisar – repetiu, com o sotaque ainda mais acentuado.

A atitude dele, assim como a das pessoas que encontrara na cidade, que se mostraram chocadas ao vê-la chegar e desataram a fazer-lhe advertências, era terrivelmente injusta e infundada. Afinal, todos falavam de um homem que nem sequer conheciam. De repente, sentiu-se fortemente motivada a proteger o senhor Blackthorne.

– Não será preciso, obrigada – agradeceu, e fechou a porta. Com um suspiro, virou-se e o seu coração deu um salto quando as luzes se apagaram e uma sombra apareceu no topo das escadas de madeira entalhada.

– Senhor Blackthorne?

– Sim – assentiu ele, com voz grave.

– Olá. Sou...

– Laura Cambridge, eu sei – interrompeu-a. – Quase trinta anos, solteira, licenciada, criada em Charleston, ex-miss Carolina do Sul, miss condado de Jasper e miss Festival do Camarão.

Ela podia jurar que havia um tom de gozo na sua voz.

– Será que me esqueci de alguma coisa?

Bem, então aquele era o recluso misterioso, pensou Laura, a olhar para a sombra nas escadas.

– Esqueceu-se de dizer ex-funcionária do Departamento de Estado, professora da escola da embaixada, e linguista, fluente em italiano, farsi e galês.

– Mas sabe cozinhar? – perguntou ele, num galês impecável.

– Não estaria aqui, se não soubesse – cruzou os braços e observou a figura masculina, alta e forte, delineada pela luz que vinha do candeeiro e que permitia ver apenas as calças pretas e os sapatos. A mão dele apoiava-se no corrimão e um anel com sinete, de ouro, brilhava, a reflectir a luz. «Que mãos grandes!», pensou, mas perguntou: – Será que tenho um site com todas as minhas informações e não sei? – que mais saberia ele sobre ela?

– As novas tecnologias são um recurso fascinante.

– É verdade. Mas não precisa de dizer o número do meu soutien, nem quando perdi os pompons de chefe da claque quando estava com Grady Benson.

– Foi só isso que perdeu? – o tom grave pareceu percorrer cada centímetro da coluna de Laura, e isso irritou-a profundamente.

– Procure na Internet – disparou, não gostando nem um pouco de saber como ele estava informado a seu respeito. E sabia tão pouco sobre ele! Não tivera oportunidade de descobrir grande coisa. Sabia apenas que vivia recluso, depois de um acidente que o desfigurara, era divorciado e, em poucos dias, receberia uma filha que nunca vira antes. Era estranho, muito estranho, pensou, a pegar nas malas.

– Onde vou ficar?

– No segundo andar.

Ela começou a dirigir-se para as escadas.

– Deixe as malas e acompanhe-me.

Laura soltou as malas e acompanhou-o. Ele andava vários passos à frente, mantendo-se sempre no escuro. O andar dele era firme, elegante à luz do corredor, que vinha de pequenas lâmpadas junto ao rodapé. Tudo o que Laura podia ver era o contorno dos ombros, sob a camisa imaculadamente branca, muito largos e fortes. Ele parou diante de uma porta e abriu-a depressa.

– Aqui – disse, e continuou a andar.

Ela parou do lado de fora do quarto.

– E o quarto da sua filha?

Ele hesitou por uma fracção de segundo.

– É do outro lado do corredor – já estava quase no segundo lance de escadas. – Vou pedir para lhe trazerem as malas.

– Pensei que vivesse sozinho.

– E vivo. Tenho um caseiro, que mora num chalé, nas traseiras do terreno, e uma empregada doméstica, que vem às segundas-feiras.

– Não acha que precisamos de conversar sobre a chegada da sua filha? – gritou Laura, ao ver que ele não parava de andar.

– Ela chegará dentro de dois dias. Vá buscá-la ao barco – subia cada degrau com passos deliberadamente lentos. Laura imaginou se sentia dores.

– Não vai comigo?

– Foi para isso que a contratei, menina Cambridge.

– Mas não pode entregar-me a sua filha sem...

Uma porta bateu com força no topo das escadas. Ele voltara ao refúgio nas sombras.

– Está bem – Laura aproximou-se das escadas e olhou para cima. Tudo o que podia ver era um corredor e uma grande porta de madeira polida, com uma maçaneta de bronze. Como é que ele podia ser tão indiferente? Kelly era quase um bebé, com apenas quatro anos. E será que estava mesmo tão desfigurado? Ou seria apenas vaidoso, e não queria vir para a luz? Apesar de tudo, era com Kelly que estava preocupada e, endireitando os ombros, subiu as escadas e bateu à porta.

– Acho que precisamos de ter uma conversa, senhor Blackthorne. Agora.

Nenhuma resposta.

– Posso ser muito persistente quando tenho um objectivo, já sabe.

– Vá-se embora, menina Cambridge. Eu aviso-a quando precisar, e se precisar, de si.

– É claro, meu senhor, como fui tola ao pensar que se importava com a sua filha – replicou ela, num tom seco, e virou-se para se ir embora. Teimoso, rude, dominador. O seu pai ter-lhe-ia dado um soco nos dentes só por tratar uma mulher daquele modo.

Entrou no quarto e parou, sem fôlego. Pelos vistos, o dragão tinha muito bom gosto. A decoração era luxuosa. O tapete, as cortinas, os quadros, tudo combinava, criando uma atmosfera relaxante e sensual. Uma cama enorme, com quatro colunas, ficava num dos cantos, coberta por uma colcha e almofadas, nos mesmos tons de vinho, cinzento e branco que decoravam o aposento. Havia uma secretária de estilo Rainha Anne com um computador perto da parede e algumas poltronas femininas posicionadas perto da lareira. Perto das três janelas enormes havia um banco forrado, coberto com almofadas bordadas em ponto de cruz, o que o tornava ainda mais convidativo. À esquerda ficava o roupeiro, tão grande que nunca conseguiria enchê-lo. Mas bem que gostaria de tentar, pensou, a observar a casa de banho moderna, com a maior banheira que já vira. Deixou as malas sobre a cama, atravessou o corredor e entrou no quarto de Kelly.

Sem palavras, parou à porta. Pelos vistos, dinheiro não era problema para o senhor Blackthorne. O quarto parecia um sonho, em tons de verde e cor-de-rosa, com uma casa de bonecas antiga, muitos brinquedos e uma cama colocada num dos cantos. O dossel tinha cortinas de cetim, que desciam sobre a cabeceira trabalhada. A história da Polegarzinho surgiu-lhe na mente, porque a menina teria de usar um banco para subir para a cama alta. Ele pensara em tudo, reconheceu Laura, ao ver o roupeiro e as gavetas cheios de roupas de tamanhos diferentes. Ele não sabia mesmo nada sobre a filha, percebeu, e voltou para o quarto, onde abriu a mala e pegou no arquivo que Katherine Davenport, a dona da Wife Incorporated, lhe entregara há dois dias atrás.

O rosto da menina de cabelos escuros aparecia na foto, revelando um sorriso doce e olhos muito azuis. Pôs a foto de lado com um suspiro, foi até ao banco junto à janela e afastou as cortinas ao sentar-se. Dali podia ver o continente e as outras ilhas da costa da Carolina do Sul. O vento de Outubro varria a praia, balançando os galhos dos enormes carvalhos que cercavam a costa. As ondas rugiam contra o cais e escureciam a areia. O céu estava carregado, escuro, quase encoberto pela neblina densa. Um dia perfeito para se encolher no sofá, ler um livro e sonhar. Com que coisas sonharia uma menina? Especialmente uma que perdera a mãe e ia para uma ilha isolada para se encontrar com o pai, que nem sequer conhecia.

Devia sonhar com um príncipe que a mantivesse segura, pensou. Não com um dragão que soltava fogo na direcção de qualquer um que tentasse aproximar-se da sua caverna.

 

 

Richard apoiou as costas na porta e fechou os olhos, com a imagem de Laura presa na mente, a recusar-se a deixá-lo em paz. Era a criatura mais bonita que já vira. O tipo de mulher que fazia com que as pessoas virassem a cabeça, os homens tropeçassem e as mulheres morressem de inveja. E só de olhar para os lindos olhos verdes, cor de jade, cada cicatriz parecia doer-lhe como se fosse recente. Era como colocar um doce apetitoso à frente de um homem morto de fome. Oferecer-lhe uma iguaria da qual nunca poderia sentir o gosto.

Mal podia tolerar a presença dela ali, no seu lar, no seu santuário. Saber que estava ali era suficiente para o deixar louco, e queria estrangular Katherine Davenport por lhe ter mandado uma mulher tão linda. Será que Kat não percebia que não estava perto de uma mulher desde o acidente? E, até àquela manhã, não tivera nem sequer uma referência, além da palavra de Katherine, que lhe garantira que encontrara alguém muito qualificado. Não tivera tempo de pesquisar o passado dela e, apesar de ter encontrado uma parte dele, não tinha fotos, embora tivesse imaginado como era, já que vencera tantos concursos de beleza. Ainda assim, era como se não desejasse mostrar o lindo rosto. Ele tinha uma boa razão para não o fazer, mas... qual seria a dela?

Aos trinta anos, continuava linda.

Que diabo! Fora muito claro ao pedir uma governanta para cuidar de Kelly. Pedira uma mulher mais velha, suficientemente forte e saudável para cuidar de uma menina de quatro anos e que compreendesse que a responsabilidade de Kelly seria dela. Não podia deixar que Kelly o visse. Nunca. A criança fugiria dele, e Richard sabia que não poderia suportar isso. Não outra vez. As pessoas fugiam dele por causa das cicatrizes que o desfiguravam. Não pretendia assustar uma criança.

Kelly! Richard cerrou os punhos. Uma criança cuja existência ele ignorara até há algumas semanas atrás, quando a ex-mulher morrera. Parecia que ele era a única pessoa no mundo que podia cuidar da menina.

Mais uma vez, amaldiçoou Andrea por não lhe ter dito que carregava um filho ao deixá-lo. Só Deus sabia como precisara disso, quatro anos antes. Algo que o ajudasse a suportar as inúmeras cirurgias, a difícil recuperação e a dura realidade de que nada poderia ser feito para recuperar o seu corpo desfigurado.

Afastou-se da porta, pegou no telefone e marcou um número, mal contendo a raiva.

– Wife Incorporated. Fala Katherine Davenport.

– Que diabo, Kat, ela é linda! – de tirar o fôlego, acrescentou mentalmente, a lembrar-se de cada curva do corpo perfeito, coberto pelo conjunto branco.

– Então, saíste da tua toca por tempo suficiente para a observares?

– Porque é que fizeste isso?

Ouviu-a suspirar.

– Laura é uma das pessoas mais bondosas que conheço. E não o fiz por ti, meu amigo. Foi por Kelly. Laura adora crianças e já trabalhou com elas antes. Tem todas as qualificações que tu querias. É culta, mas não a ponto de não conseguir comunicar-se com uma criança. Além disso, é divertida e criativa. Dá-lhe uma oportunidade.

– Não tenho escolha. Kelly chega dentro de dois dias.

– Vai correr tudo bem, Richard.

– Encontra outra pessoa, imediatamente. Não a quero aqui.

Houve uma pausa do outro lado e, quando falou, a voz de Katherine soou fria e brusca:

– Andrea devia ter-te contado sobre Kelly, concordo e, se não tivesse jurado que não o faria, eu mesma to teria dito. Mas quando ela disse que te deixou porque te tinhas tornado frio e mesquinho, não pude acreditar. Agora, vejo que estava certa.

Richard sentiu-se como se ela o tivesse esbofeteado.

– Andrea abandonou-me porque não pôde suportar as consequências do acidente. Queria que eu fosse o mesmo de antes e que agisse como antes. Isso nunca vai acontecer – respirou fundo, antes de prosseguir: – Encontra outra pessoa – e, sem se despedir, desligou. Só ao largar o telefone percebeu como o segurara com força.

Deixou-se cair na poltrona de couro, atrás da secretária, e virou-a para a janela. O sol lutava para sair de trás das nuvens, reflectindo-se no rio, enquanto ele lutava para afastar as memórias dolorosas do acidente. A dor cortante, a reacção de horror de Andrea quando lhe tiraram as ligaduras, a repugnância que não conseguira disfarçar. Sempre imaginara que ela estaria ao seu lado, em qualquer situação, e ficara chocado ao vê-la partir. Devia ter imaginado que ela faria isso, quando se recusara a dividir a cama com ele, e até mesmo a tocá-lo, depois do acidente. Podia ver a sua repulsa, cada vez que estendia a mão para ela. A noite anterior ao acidente tinha sido a última vez que sentira prazer e ternura com uma mulher.

E agora a mulher que fora eleita a mais bonita do Estado estava a viver em sua casa. Não fazia diferença que isso tivesse acontecido há dez anos. Ela ainda era capaz de fazer parar o trânsito com a sua beleza.

A batida à porta foi tão suave que ele mal a ouviu.

– Senhor Blackthorne.

O som daquela voz doce e delicada tocou-o profundamente. E quase a odiou por isso.

– Eu já disse que a chamaria se...

– Pelo que me lembro, fui contratada para tomar conta da sua filha, não de si. Portanto, pode chamar-me quando quiser, meu senhor, e...

– Sou eu que pago o seu salário.

– A sua mãe não lhe ensinou que é falta de educação interromper uma senhora?

– E a menina não aprendeu diplomacia, ao trabalhar no Departamento de Estado?

– Aprendi. Mas este não é um território estrangeiro, nem o senhor pode pedir imunidade diplomática.

A lutar contra a vontade de sorrir, Richard apoiou a cabeça na poltrona de couro.

– O que é que quer?

– Ah, chegámos à fase das negociações! – gozou Laura. – Agora, a menos que a montanha de alimentos no frigorífico e no congelador seja a sua noção de uma dieta equilibrada, preciso de planear o cardápio.

– Está bem. Pode pedir o que quiser.

Laura suspirou. Que homem difícil! Sacudiu a bandeja, fazendo a linda porcelana tilintar.

– Ouviu? São pratos. Com comida – completou.

– Deixe-a à porta.

Ela pestanejou.

– O quê?

– Tenho a certeza que ouviu, menina Cambridge. A porta não é assim tão grossa.

– Que teimoso! – resmungou Laura.

– Deixe-a no chão e vá-se embora.

Laura colocou a bandeja junto à porta e, ao olhar para a madeira, decidiu que o faria sair dali, fosse como fosse.

– Pelos vistos, vamos ter muitos problemas, senhor Blackthorne.

– Só se quebrar as regras.

– E quais são?

– Receberá ordens através de e-mails no seu computador.

– Meu Deus, que impessoal!

– É o único modo possível – declarou ele, baixinho, ao ouvir os passos dela a afastarem-se pelas escadas.

Esfregou a testa. A ponta dos dedos tocou nas cicatrizes e ele praguejou, levantou-se e começou a andar de um lado para o outro. Com os dentes cerrados, imaginou como ia sobreviver com aquela mulher linda a andar pela casa.

 

 

Laura lavou a louça, irritada consigo mesma por estar tão perturbada. O que lhe importava se o homem preferia ficar escondido no seu santuário? Mas Kelly estava quase a chegar. E não podia deixar que uma criança, que esperava ver o pai, sentisse de imediato a reclusão que Richard Blackthorne escolhera, sem mais explicações. Ele não queria nenhum tipo de contacto.

Teria de fazer alguma coisa, pensou, ao colocar algumas peças de roupa na máquina de lavar, e decidiu investigar a casa. Os ténis que usava rangiam ao percorrer os corredores largos, decorados com objectos medievais. Uma armadura, escudos e algumas espadas. Era inegável o bom gosto do proprietário, reconheceu, ao ver em cada divisão uma antiguidade, uma pintura, um vaso delicado...

Entrou na sala de estar. Ou seria um estúdio? Passara por várias portas fechadas e imaginou se o senhor Blackthorne não queria que ninguém entrasse ali. Curiosa, perguntou-se se alguma delas levaria às masmorras. Havia tantos cantos, tantos corredores menores, que levaria dias para conhecer tudo. E já percebera que o último andar era território proibido. Abriu as portas que davam para o pátio, e o vento quente e húmido tocou-lhe no rosto, como uma carícia delicada. Respirou fundo, a sentir o gosto de sal no ar. Fechou as portas atrás de si e começou a descer para a praia. Era um prazer ao qual não podia resistir. Os pés enterravam-se na areia, enquanto sentia os músculos a contraírem-se. Atirou os braços para o alto, a rir. «Até que isto não é nada mau», pensou, ao parar para tomar fôlego. É claro que ela podia estar em melhor forma. Endireitou-se e olhou para a casa, no alto da colina. Uma ponta de tristeza invadiu-lhe o peito. Era um lugar de sonho, maravilhoso. E, evidentemente, um lugar para Richard Blackthorne se esconder.

Não era de admirar que fosse temido e alvo de comentários. A mansão dominava a cidade, com a sua imponente estrutura de pedra. Da janela do seu quarto, a vista era maravilhosa, mostrando o rio e as ilhas que enfeitavam o mar logo adiante. Era um lugar lindo, cheio de paz. Ergueu a mão, a fim de proteger os olhos do sol para observar melhor a construção imponente. Por um instante, viu uma figura junto à janela, a brancura imaculada da camisa a contrastar com as cortinas escuras, mas logo desapareceu, escondendo-se na caverna de pedra.

Um solitário príncipe-dragão, imaginou, que não queria ser resgatado.